Entre os anos de 1942 e 1945, o Brasil permaneceu oficialmente em estado de guerra. Mais de 25 mil militares do Exército e 350 da Aeronáutica (sendo 43 pilotos) foram treinados e enviados para lutar na Itália. A Marinha realizava um esforço conjunto com a Força Aérea para garantir a proteção do Atlântico Sul. Mas os impactos da Segunda Guerra Mundial não foram sentidos apenas pelos militares: toda a população civil esteve envolvida no esforço de guerra, e as consequências disso foram sentidas mesmo depois do conflito acabar. Segundo o historiador Frederico Tomé, a guerra trouxe diferentes impactos para o país, inclusive de industrialização.
O Brasil na era do aço
Um dos primeiros e mais importantes impactos da Segunda Guerra Mundial para o Brasil foram as mudanças que o conflito trouxe para a economia brasileira. “Foi uma guerra de enormes proporções, talvez com a maior mortalidade de todos os tempos em um curto espaço de tempo. Isso trouxe impactos duradouros e marcantes na economia”, afirma Tomé.
O historiador explica que o Brasil vivia desde 1930 um projeto desenvolvimentista voltado para a industrialização. Esse projeto foi logo comprometido pela guerra ao tirar parte do poder de barganha do Brasil com outras nações. “Antes, o Brasil negociava livremente com os Estados Unidos e com a Alemanha para executar seus projetos. Mas as diversas pressões internas e externas puseram o Brasil em alinhamento quase que exclusivo com os norte-americanos, tirando de certa forma sua capacidade de barganha”.
Mas se na economia externa o impacto foi negativo, no cenário interno a guerra serviu para acelerar o processo de industrialização. “A Segunda Guerra Mundial vai exigir do Brasil um esforço de guerra que de certa forma foi benéfico para a sua economia”. Tomé explica que o Brasil passou a precisar manufaturar por conta própria diversos produtos que antes eram importados e que a guerra impedia de chegar. Além disso, o alinhamento com os Estados Unidos resultou na criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que possibilitou ao Brasil construir a infraestrutura necessária para a expansão do seu parque industrial.
O comércio brasileiro também se beneficiou da guerra. “O Brasil conseguiu, no prazo da guerra, um superávit comercial considerável por conta das demandas de produtos bélicos e de outros produtos necessários para a guerra”. A alta demanda pela exportação de mercadorias nacionais em um ambiente que não era tão atingido pela guerra quanto nos países europeus favoreceu muito o projeto de industrialização do Brasil que já acontecia desde a década de 1930.
A volta da democracia
A popularidade de Getúlio Vargas foi profundamente afetada pela guerra, o que resultou em mudanças profundas na política nacional. Frederico Tomé afirma que a guerra revelou uma contradição em seu governo, que enviava milhares de soldados para enfrentar ditaduras totalitárias na Europa enquanto realizava no Brasil as mesmas práticas desses regimes, desempenhando o mesmo papel de um ditador.
“A guerra revelou a inviabilidade do regime que se mantinha por aqui”. Com o fim da guerra, os militares forçaram a renúncia do presidente Getúlio Vargas, o que resultou na abertura política que durou de 1945 até 1964. “As demandas e contingências da guerra envolveram politicamente diversos setores da economia e da sociedade brasileira, aumentando a exigência por uma democratização conforme o Brasil ficava mais envolvido com o conflito”.
Mas a Segunda Guerra Mundial teve por consequência um evento nada benéfico para a política externa brasileira: a guerra fria. “A guerra fria dividiu o mundo em dois extremos: um socialista e um capitalista. Para a América Ibérica, o alinhamento com os Estados Unidos foi automático mas sem que chegassem benesses econômicas”. A guerra fria fez com que o Brasil perdesse parte do seu potencial de negociação sem receber nenhum investimento em troca, ao contrário do que aconteceu com os países europeus.
Forças armadas modernas e profissionais
Um efeito notável da 2ª Guerra Mundial para a realidade brasileira foram as mudanças provocadas nas Forças Armadas, que passaram por um processo de modernização e de profissionalização que é sentido até hoje.
“Desde a Guerra do Paraguai (1864-1870) que o Exército passou por um período de sucessivas tentativas de modernização, mas sem muita ordem e sem muita hierarquia, sem conseguir abrir mão de muitas práticas do período imperial e até mesmo colonial. Mas na segunda guerra mundial isso muda de figura.”
O historiador afirma que a Segunda Guerra Mundial possibilitou a institucionalização do Exército. O Exército se tornou uma unidade mais coesa, contando com lideranças mais fortes e menos (e menores) conflitos internos (principalmente ao manter sob controle os grupos tenentistas). A força terrestre passou a contar com uma voz de comando única, que há muito tempo não era vista. Essa profissionalização e unificação do Exército foi muito benéfica no ponto de vista de Tomé.
A Aeronáutica também sofreu mudanças profundas com a guerra, sendo praticamente fruto desta. A Força Aérea Brasileira foi criada em 1941, apenas um ano antes do Brasil declarar guerra. O conflito também proporcionou uma modernização do seu equipamento e a criação do seu 1º Grupo de Aviação de Caça.
A Marinha também contou com uma modernização em sua estrutura, abrindo mão de diversas tradições em sua estrutura burocrática para se adaptar à realidade do século 20.
Novos ares na mentalidade do Brasil
Segundo Frederico Tomé, a mentalidade brasileira foi bastante afetada pela guerra, ao proporcionar ao Brasil uma possibilidade de alcançar o que buscava desde a proclamação da República: a inserção do Brasil no mundo. “O Brasil era uma colônia muito isolada de Portugal, e também pouco se vendeu no período do Império. Desde a proclamação da República que se tentava romper esse isolamento e abrir o Brasil ao mundo”.
A tentativa de se mostrar ao mundo como um ator importante frente às outras nações acelerou bastante com a 2ª Guerra Mundial. Os brasileiros passaram a ter uma melhor percepção do papel do Brasil no mundo enquanto líderes regionais, quanto às suas possibilidades econômicas e culturais. “Surgiu no Brasil uma mentalidade de se perceber no mundo”, afirma o historiador. “A guerra mostrou que nós éramos capazes de sair da nossa bolha e se encaixar na política mundial. Ela favoreceu a autoestima do brasileiro”.
Por Lucas Neiva
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira