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Jornalista brasileira no Algarve, em Portugal, relata fim do estado de emergência

O estado de emergência acabou nesta semana, dia 3 de maio. Motivo de alívio no país. Mesmo antes do início da quarentena (18 de março), o governo fechou escolas e boates e proibiu reuniões, suspendeu voos com destino à Itália e também interrompeu o turismo com a Espanha. A quarentena acabou, mas as restrições não. O uso de máscara é obrigatório a todos e a reabertura do país vai ser dividida em três fases, com reavaliações de 15 em 15 dias da situação do novo coronavírus. Restaurantes continuam fechados durante a primeira reabertura do comércio. Bares e hotelaria está previsto para abrir por último.

Confira o relato

Um longo caminho entre paredes

Antes de mais nada, vim de família pobre, filha de mãe solteira de 3 filhos, nordestina, do Piauí. Tenho muito orgulho disso. Estudei maior parte da vida em escola pública e sou de Taguatinga. Sempre sonhei em poder sair do país e viver uma experiência fora após eu concluir a faculdade.

Enquanto olho para as paredes aqui na cidade de Albufeira, no sul de Portugal, refaço o caminho que me trouxe até aqui. A história tem uma data especial: 28 de novembro de 2019. Foi quando apresentei meu trabalho de conclusão de curso em jornalismo. Além do curso universitário, meu noivado também acabou naquele dia. Deixei as comemorações para depois.

Tantas transformações e entendi que era preciso uma grande virada. Tomei coragem. Um empréstimo bancário e vendi todos os móveis da minha casa, fiz um brechó e vendi também maior parte do meu guarda-roupa. Me convenci que era chegada a hora… Pensei em seguir para os EUA mas meu visto foi negado dia 16 de janeiro. Nesse mesmo dia, pensei em uma segunda opção: comprei passagem, seguro viagem, paguei reserva em hostel e fiz o PB4 (acordo firmado em 1969 entre o Brasil e Portugal, no qual todo beneficiário do INSS tem direito a um formulário que garante o atendimento deste em redes de saúde pública portuguesas, caso necessite, sem custos adicionais).
Outra data é 2 de fevereiro de 2020. Uma mochila, toda a minha vida nela e o voo que me levava direto para Lisboa. Aproveitei para viajar um pouco e conhecer a gastronomia local.


12 de fevereiro, desembarquei em Faro, aeroporto mais próximo de onde estou atualmente, Albufeira. Escolhi aqui para morar por ter várias praias incríveis e por ter um clima agradável, não tão frio. Ainda não posso dizer muito do local porque ainda não pude conhecer, mas as idas ao mercado me proporcionam ao menos ver o mar, e é lindo demais! Voltando, 22h35 pm, não existe transporte público depois das 7h da noite para sair de Faro.

Paguei uma diária em um hostel de 7 euros próximo do aeroporto e esperei amanhecer. Café da manhã, não existe o pão com ovo e queijo quente ou uma vitamina, nem cuscuz nem tapioca, já começou a saudade. Hoje faço todas as minhas refeições em casa. Comi uma torrada com geleia e um suco de laranja de máquina. Arrumei carona com um amigo de um amigo de uma conhecida de Brasília, consegui chegar. A primeira impressão que tive foi “uma roça no paraíso”. São as praias mais lindas que já conheci. A maioria dos estabelecimentos fecham no inverno, que vai de novembro até março, mas já estavam ali presentes vários anúncios nas portas dos comércios de contrata-se. Acabou os ‘rolezinhos’, fui no mercado, fiquei encantada com todos os produtos que é inacessível para quem é pobre no Brasil, comprei várias coisas por um precinho massa.

Cheguei em casa, fiz comida e fiz meu currículo no formato português. Imprimi vários, entreguei nos estabelecimentos que vi abertos. Uma amiga me passou uma lista com vários e-mails de hotéis daqui da região e enviei meu currículo para todos também. Além de procurar vagas em grupos do Facebook e no site da OLX de Portugal. No outro dia, fui atrás do meu NIF, é como se fosse o CPF do brasileiro, mas aqui precisa de um português para assinar. As empresas costumam cobrar em torno de 200 euros para fazerem o NIF, segurança social, moradia e disponibilizarem algumas plataformas de ofertas de emprego.

Fiz algumas entrevistas e nas entrevistas eu já lavava a documentação necessária, quando me pediam para levar os documentos, eu já tirava da mochila e entregava. Arrumei dois empregos. Um em hotel de dia e outro em bar de madrugada. Me recordo do dia da entrevista do hotel, passei para autenticar meu passaporte, não consegui pegar ônibus, o transporte público daqui não é tão acessível por não passar em todos os lugares e eu, como uma boa perdida que sou, decidi ir andando com o Google maps, meu fiel companheiro. Nesse dia, andei 16 km de pé para conseguir resolver tudo que estava planejado. Os trabalhos começariam em março, ambos. Mas aí é que tá, saudade dessa expressão usada nos bares com os amigos, começaram os burburinhos de uma doença chamada Coronavírus.

Foram adiados os contratos de trabalho. As escolas foram fechadas dia 14 de março e os comércios já estavam quase todos fechados. A primeira morte em Portugal foi dia 17 de março. Foi declarado estado de emergência no dia seguinte, quando haviam 642 casos e 2 Mortes.

19 de março, as restrições passam a valer também para a entrada de estrangeiros, ficam suspensos todos os voos pelos próximos 30 dias de e para fora da união europeia. To presa aqui, sem trabalho, sem família, sem dinheiro em euro. Mas estou em um país sério, o Governo português, nesse mesmo dia, anunciou um pacote de 9,2 bilhões de euros (51 bilhões de reais) para ajudar trabalhadores e empresas impactadas pela crise do Coronavírus. Não me encaixo nos beneficiados mas quando penso na situação lastimável do Brasil e o atual governo, estou em um país responsável. Pelo menos eu não contribuí para a eleição do novo presidente brasileiro, que vem sendo chacota mundial. Quando penso no governo da minha terrinha brasileira, é uma explosão de sentimentos, mistura de medo, desgosto e pavor.

Vamos voltar a falar de Portugal, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou dia 20 de abril que Portugal está a reagir de forma correta em relação a Covid-19. E em uma conferência de imprensa na sede da organização, em Genebra, o diretor do programa de emergências sanitárias, Michael Ryan, disse que os números indicam que o ritmo de crescimento da doença está estável e que o país agiu de forma correta. Mas isso não faz com que os estrangeiros sejam bem vistos no país. Como imigrante, não consegui trabalho durante a quarentena, pois umas das únicas opções que poderiam contratar são os mercados, mas só contratam quem tem ao menos residência em Portugal. Fiquei 51 dias de quarentena. Saí apenas 3 vezes para ir ao mercado e da ultima vez, fui interrogada pela GNR, que são os militares daqui. Eles perguntaram o que eu estava fazendo na rua, falei que iria ao mercado, com uma mochila vazia e um saco para trazer as compras. Perguntaram se era mesmo necessário e respondi que sim. Pediram então para que eu comprasse o essencial para não sair por uns bons dias. Acenei com a cabeça que havia entendido o recado e segui em frente. Cheguei no mercado, aqui é necessário esperar do lado de fora em uma fila de pelo menos dois metros de distância de cada cidadão, assim que sai um, entra outro. Não faltou nada até agora nas prateleiras e os preços se mantiveram. Fiz as compras para 30 dias pra não passar mais pelo constrangimento de ser parada. Quem estivesse nas ruas sem comprovar que está indo comprar mantimentos de necessidades básicas, isso inclui apenas farmácia e mercado, podia ser punido com uma pena de prisão de até um ano ou com pena de multa de até 120 dias.

Chego em casa, tiro a roupa e deixo no armário próximo a porta de entrada, moro com outro brasileiro que me incentiva muito a não passar em branco toda a higienização necessária. Lá vamos nós, lavar com água e sabão fruta por fruta, garrafinha por garrafinha de cerveja, passar álcool em cada pacote de arroz, feijão(uma observação que aqui não tem panela de pressão, então, tem que se contentar com o feijão enlatado), macarrão, biscoitos e cereais. Depois de tudo limpo e guardado, hora de tomar banho e aí sim pode transitar dentro de casa. Infelizmente necessitei ficar presa em casa mas qualquer pessoa no mundo nesse atual momento com sanidade mental também está.

O fato de eu não estar trabalhando afeta demais minha qualidade de vida pela questão da ocupação e situação financeira. Inclusive, eu era a louca da carne, mas durante esses 51 dias, só comi duas vezes por ser tão caro esse consumo aqui.
Enquanto escrevo, sou atualizada pelos jornais locais que já são 1074 mortes em Portugal por conta do novo vírus, 25702 pessoas infectadas e 1.743 foram recuperadas.

A quarentena acabou nesse domingo, 3 de maio e as coisas estão começando a abrir gradualmente. Hoje já tem comércios locais de até 200 metros quadrados abertos. Bares, hotéis e restaurantes de praia estão previstos para abrir em junho. Se eu surtei? TODO dia. Meu coração dispara quando ligo a TV nos jornais e vejo vários países com o sistema de saúde e cemitérios entrando em colapso com tantos mortos, famílias sem poder enterrar seus filhos/pais/avós. Pior ainda é ver os meros mortais vivos não levarem a sério a quarentena.

Minha intenção era mudar de vida, tá bem diferente mesmo! Tomo chá de dia e vinho a noite, porque o vinho aqui custa equivalente a água, cerca de 2 euros. Aprendi a cozinhar pratos mais elaborados sem carne, o que não me era de costume e finalmente tenho tempo pra assistir aulas em inglês e francês, mas isso não descarta os dias que fico deitada na cama encharcada de lágrimas sem saber o dia de amanhã, se as coisas vão se regularizar, quantas pessoas ainda vão precisar morrer pro ser humano entender que não é em vão o mundo está de quarentena. Infelizmente, a gente só sente de verdade quando acontece com alguém próximo, espero eu não ter que ver alguém próximo precisar de ajuda e ver o Brasil inteiro entrando em colapso sanitário. Me preocupo muito com minha família, que está toda no Br, pois o descaso dos brasileiros em relação a doença piora não só a saúde de quem não está nem aí, mas de todos. Vejo vídeos de pessoas brasileiras confraternizando constantemente, espero que o próximo capítulo não seja uma foto escrita ‘Luto’.

Outra grande preocupação é o valor do euro, hoje, 4 de maio, o euro está custando 6 reais e 8 centavos. Ainda não comecei a trabalhar e estou sobrevivendo do dinheiro do Brasil. Economizando, eu gasto em média 450 euros ao mês, incluindo, moradia, mercado, contas de energia e água, sem nenhuma sentadinha rápida em qualquer estabelecimento e porque os aluguéis não encareceram. Deixa eu explicar melhor, aqui em Albufeira, os aluguéis ficam mais caros no verão, ou seja, de maio até setembro, porque é conhecido como o lugar mais quente da Europa, os europeus gostam de descer para o Sul de Portugal para curtir a praia e o calor que nada se compara ao do Brasil. Além da diferença do valor mensal que no mínimo triplica se comparado ao inverno, é bem difícil achar aluguéis disponíveis para alugar anual, já que os proprietários lucram muito mais arrendando no verão.

Ainda não achei aluguel anual, em fevereiro morei em um Studio, em março dividi um apartamento, em abril dividi uma casa com outro brasileiro, amigo meu e esse mês estou em um T0 (forma como chamam aqui, T significa número de quartos. T0 seria tipo uma kitinete). Com a pandemia, há disponíveis aluguéis acessíveis ao ano, mas já não sei se vale a pena alugar pois os estabelecimentos voltam a fechar em outubro. O que que acontece, quem mora aqui, arruma dois empregos pra fazer uma grana legal e conseguir sobreviver no inverno mas com o Coronavírus não se sabe se o verão vai bombar como antes, provável que não. Logo, também é provável que em novembro muitos migrem pro Norte do país, já que por lá as coisas continuam abertas normalmente. O jeito é viver dia após dia, sem fazer compromissos com o dia de amanhã.

A solidão me fez apreciar minha própria companhia. Hoje rezo pelo mundo e sou grata por onde estou. A minha oração diária é a música do Belchior (quero ver quem é capaz de ler sem cantar) “tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. Tomara.

Por Mariane Rodrigues, de Albufeira (Portugal)