Profissionalismo e uma mistura de medo e determinação. Em plena semana da enfermagem, quem trabalha no ofício de salvar o próximo se vê em uma situação que eles consideram inusitada e revoltante. Enfrentam a rotina diária de atender pacientes contaminados com o coronavírus, mas passaram a ser alvos de manifestantes contrários ao isolamento social e a favor da retomada imediata do comércio.
No último dia 12, os profissionais fizeram mais um manifesto pela saúde. O medo, consequência do episódio de agressões da semana passada, não os impediram de manifestar. Os profissionais da área de enfermagem se organizaram na área externa do Museu da República em homenagem aos 84 colegas que já morreram na linha de frente de combate ao Coronavírus em todo o País.
Assim como o ato do dia 1º de maio, a manifestação do dia 12 foi uma iniciativa dos trabalhadores juntamente com o apoio de entidades representativas. Em Brasília, essas manifestações têm o apoio do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal, do Sindicato dos Técnicos e Auxiliares de Enfermagem, do Conselho Federal e Regional de Enfermagem e da Federação Nacional dos Enfermeiros, que auxiliam na logística da manifestação.
Os profissionais que estavam presentes no ato, deitaram no chão com o nome das vítimas colados ao peito em forma de homenagem. Assista:
“Pedido de socorro”
Na semana passada, no dia do trabalhador, profissionais da área de enfermagem se reuniram em frente ao Supremo Tribunal Federal em um ato silencioso em homenagem aos colegas de profissão perdidos para o novo Coronavírus. Os enfermeiros também utilizaram o momento para reafirmar a importância do isolamento social para o controle da pandemia, e reivindicar a valorização e reconhecimento da profissão como fundamental para a saúde.
De acordo com o Conselho Regional de Enfermagem do DF (Coren-DF), o Brasil já perdeu mais profissionais de enfermagem que a Espanha e a Itália juntas, e o alto índice de letalidade tem a ver com a negligência em relação aos trabalhadores da saúde. “O ato também era um pedido de socorro. Somos mortais, estamos com medo, trabalhamos na linha de frente e temos famílias, precisamos de EPI’s e precisamos que nos protejam enquanto profissionais”, conta a enfermeira, que não quer ser identificada, e que participou da manifestação do dia 1.
O protesto respeitava todas as normas de segurança, incluindo o distanciamento recomendado e o uso de máscaras por parte de todos os presentes. “O movimento era pacífico, e foi pensado detalhadamente, com todo cuidado, respeitando todas as orientações de segurança, com horários definidos e números de pessoas controlados”, relata a agredida.
Durante o ato, os manifestantes foram surpreendidos por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que faziam manifestação no local. Os enfermeiros foram confrontados com palavras de ódio e agressões. Ao tentar partir para cima dos profissionais, um homem precisou ser contido pelos demais presentes.
De acordo com uma das enfermeiras, as agressões progrediram de acordo com que os profissionais permaneciam calados. “As agressões aumentavam conforme nos mantínhamos em silêncio, afinal essa era a nossa questão, ficar ali, em silêncio, pelas vidas perdidas e pelo respeito à nossa profissão”.
O ato começou pela manhã, mas, de acordo com relatos de outra profissional, que também pediu para não ser identificada, os ataques se iniciaram antes mesmo do protesto começar de fato. “A gente estava montando, organizando o ato, e eles já começaram a circular, a nos rondar. A gente ficou sem entender o que estava acontecendo. Eles também não perguntaram nada pra gente, mas quando perceberam do que se tratava já começaram a gritar”, explica a enfermeira.
Para intervir no evento, a Polícia Militar precisou ser acionada, e o que era um movimento com pautas já definidas, se tornou um episódio que levantou novas questões como respeito e empatia.
Direito de se manifestar
Uma semana após as agressões, as enfermeiras contam que não irão deixar esse acontecimento às impedirem de defender suas idéias. “Participei da manifestação do dia 1, participei da do dia 12, e participaria de outras, com certeza. Não me arrependo”, revela uma das manifestantes. Outra enfermeira agredida no ato do Dia do Trabalhador, completa, “Não posso deixar ninguém podar meu direito democrático. Fiquei muito triste ao ver a que ponto a humanidade chegou. Mas depois de receber tanto apoio e carinho de pessoas que, de alguma forma, também se sentiram lesadas, esse medo se transformou em gratidão, e me senti privilegiada por poder representar tantas pessoas naquele momento” completa.
Medidas tomadas
Em nota, o Coren DF afirmou que, prestaram apoio emocional e assistência às vítimas, e que os profissionais agredidos prestaram Boletim de Ocorrência e entraram com ações individuais contra os agressores. Explicaram também que elas contam com dezenas de testemunhas e com advogados que se apresentaram voluntariamente para representá-las.
Na terça-feira (5), o Coren-DF oficiou a 5ª Delegacia de Polícia Civil do Distrito Federal e ingressou com representação no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para que se investigue a ocorrência das agressões físicas e verbais sofridas.
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) também fez representação na PCDF (5ª DP) e no MPDFT. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao MPF do Distrito Federal que investigue os autores dos ataques.
Assista abaixo a fala do Presidente do Coren-DF, Marcos Wesley, sobre o ocorrido:
Por Mayra Christie
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira