Tistu era um menino que não lidava bem com as contradições da vida adulta. Apesar do carinho dos pais e do conforto do lar, sentia um vazio latente que não sabia explicar. Na escola, dormia. Um dia, descobriu, com um velho sábio jardineiro, que tinha o dom mágico de fazer brotar flores e plantas do nada, florindo toda a cidade em que vive. Lançada em 1957, “O menino do Dedo Verde” foi uma das primeiras obras a abordar o tema da ecologia e da integração entre o homem e a natureza. Moradora do Gama desde os primórdios da cidade, a família Ferreira, até poderia fazer parte do clássico enredo infanto-juvenil escrito por Maurice Druon. Isso porque, desde o final dos anos 70, ela cuida, com amor e carinho, de um belo jardim que é sensação da Quadra 27 do Setor Leste da cidade, humanizando a rua.
A iniciativa, valorizada e em sintonia com a gestão Ibaneis Rocha, agora faz parte do projeto “Adote Uma Praça”, programa coordenado pela secretaria de Projetos Especiais (Sepe), do GDF. Instituído pela atual gestão em 2019, a iniciativa celebra a parceria entre o GDF e moradores da cidade ou empresas que, assim como o pequeno Tistu, do romance escrito por Maurice Druon, amam o verde e têm interesse em fazer benfeitorias e manutenção em áreas públicas da cidade.
“O programa é um instrumento que, além de desburocratizar, legaliza as pessoas que cuidam dessas áreas, dando uma segurança jurídica para quem quer ajudar o governo nessa parceria”, observa Everardo Gueiros, secretário da Secretaria de Projetos Especiais do GDF. “É um bem-sucedido exemplo de parceria público-privada do nosso governo, que já economizou com essa iniciativa, R$ 10 milhões em obras executadas”, revela o gestor. Várias áreas já foram adotadas em diferentes RAs. Veja algumas abaixo:
Os espaços, como o título sugere, não se limitam apenas às praças. Podem fazer parte da ideia também jardins públicos, balões rodoviários, estacionamentos, canteiros de avenidas, pontos turísticos, parques infantis, Pontos de Encontro Comunitário (PECs) e até becos como o da família Ferreira, que nasceu da iniciativa de dois Josés. O Zé da Bahia e o Zé do Ceará. A ideia é conscientizar a população ou iniciativa privada no sentindo de ajudar o governo a manter esses espaços bem preservados e que possam ser usufruídos pela comunidade.
“Meu pai é que teve a iniciativa de ficar roçando, limpando a área até criar um jardim, ele nunca deixou juntar lixo aqui”, conta a filha Geny, a primeira de quatro irmãos, todos filhos do pedreiro José Alves Ferreira – já falecido, em 2015 -, e de dona Ruth, hoje com 90 anos. “Eu ficava vendo ele mexendo e resolvi ajudar, comprava caixas de pingo de ouro, deu o maior trabalho do mundo, mas ficou muito bonito”, lembra, orgulhoso, Zé Lima, de 78 anos.
anhou a comunidade local. Também o GDF com mais uma parceria público-privada. Localizado entre as casas 102 e 103 da Quadra 27, do Setor Leste do Gama, o lugar, antes terra de ninguém, ou seja, um abandonado terreno baldio onde se jogavam lixo, entulho e servia até de cemitério para gatos e cães, agora abriga um aconchegante recanto florido. Lá tem de tudo, rosas de todas as cores, pingos de ouros, espada de São Jorge, ipê, além de frutas como mamão e carambola. Como não podia deixar de ser, flanam pelo ambiente, colibris, rolinhas, beija-flores e nuvens de borboletas. “É gratificante porque todo dia de manhã os passarinhos, as borboletas visitam o jardim, um encanto”, relata, Geny.
Com o belo calçamento construído pelos dois Zés, o jardim da Quadra 27, além de um lugar agradável que ajuda a aplacar o clima seco e falta de umidade do DF, também virou passagem para os moradores da quadra 49, localizada abaixo da 27, e que, para evitar dar uma grande volta para chegar a parada de ônibus mais próxima, usa o caminho como atalho. Enfim, como gosta de dizer uma das filhas do seu Zé da Bahia: “É um oásis no meio desse deserto de concreto e asfalto”, resume Generosa Ferreira “A gente olha ao redor e não encontramos nada parecido por aqui”, reforça.
Parceria oficializada
Desde que foi instituído, em 2019, o programa já recebeu quase 60 pedidos de adoção de moradores de várias regiões do DF. O mais recente, publicado no Diário Oficial do DF, na última terça-feira (23), diz respeito à adoção de um balão rodoviário localizado próximo ao Jardim Botânico. Desse montante, já foram finalizados e estão em funcionamento 12 projetos, que geraram uma economia de R$ 10 milhões aos cofres do GDF. O Plano Piloto é a região do DF onde se concentra o maior número de ações do projeto. Os mais representativos são a revitalização do Setor Hospitalar Sul, a Praça Lúcio Costa, localizada em frente ao Conjunto Nacional e um complexo criativo da 506 Sul.
Para o secretário Everardo Gueiros, o programa tem o mérito de resgatar a função social de uma cidade, destacando não apenas a responsabilidade do poder público, com relação aos espaços, mas tornando a sociedade cúmplices de suas bem-feitorias. “Passou a época em que a população olhava o que o governo fazia. Depois a população só exigia do governo, agora a população está se conscientizando que não é só olhar, nem só exigir, precisa ajudar, colaborar, ser parceiro”, defende. “Tinha muita gente que queria ser parceira do governo em projetos como esse, mas não tinha o instrumento, que é o nosso programa”, convoca.
A enfermeira Joselita Ferreira concorda com o raciocínio do secretário Gueiros. Mesmo trabalhando em dois hospitais, no Gama e em Samambaia, ela ainda encontra tempo para ajudar na manutenção do espaço público que adotou no Gama junto com seus familiares. O desejo da família é que o cantinho seja reconhecido como área verde de convivência para o benefício da comunidade. “O programa “Adote Uma Praça” é muito interessante porque ajuda a sensibilizar a sociedade para a importância de colaborar em iniciativas como essas”, aponta.
LÚCIO FLÁVIO, DA AGÊNCIA BRASÍLIA | EDIÇÃO: ISABEL DE AGOSTINI