Cancelamento transformou-se em ação e linguajar corrente nas redes sociais diante de um passo em falso ou postura questionável de famosos e anônimos. Mas essa não é, como alguém poderia imaginar, uma atitude criada na era da internet.
“O que se chama cultura do cancelamento tem raízes lá nos anos 80, nos EUA, quando grupos de estudantes questionaram emendas de cursos oferecidos nas universidades a partir de questionamentos políticos que reforçavam conceitos e ideologias hegemônicas, eurocêntricas, brancas e masculinas, que não davam visibilidade para as minorias”, afirma o sociólogo Marcelo Batalha, mestre em ciências políticas.
O pesquisador relaciona, ainda, o movimento com a concepção de “coerção social”, do sociólogo francês Émile Durkheim (1858 – 1917), que tratou sobre a pressão que a sociedade exerce sobre o indivíduo, podendo ser psicológica.
Para Batalha, a cultura do cancelamento é movida, hoje, por ações que apontam “falhas e incongruências”. Além disso, acredita que o movimento tem por objetivo a anulação e a invisibilidade do outro e, ao mesmo tempo, tornar-se visível, reconhecido no lugar do outro. Lugar que pode ser entendido como espaço de discurso, em que indivíduos e grupos ganham visibilidade.
Depressão
As consequências do cancelamento (somadas às angústias de pandemia) podem desencadear transtornos mentais, como a depressão. Para a professora e psicóloga Carolina Moreira, o isolamento vindo da cultura do cancelamento pode causar vários sintomas que levam o indivíduo a desenvolver esse transtornos.
“É importante dizer que eu não acredito numa causa única. Não dá para reduzir uma questão de saúde mental em um único fator”, afirma a especialista. Para ela, o ponto principal é buscar apoio entre os amigos e ajuda profissional, além de levar a situação a uma perspectiva de aprendizagem.
Além disso, a especialista explica que esse fenômeno expressa um momento atual em que as pessoas estão cada vez mais intolerantes aos erros do outro. “Talvez nós estejamos vivendo um momento de muita polarização, onde aquilo que o outro fala é diferente daquilo que eu percebo como certo. Isso pode gerar uma dificuldade tanto de compreensão quanto de promover um acolhimento mútuo” afirma. Nesse contexto, Carolina acrescenta que o cancelamento não está acontecendo apenas no mundo virtual, mas em várias facetas de nossas vidas.
É importante, então, a atenção dos “canceladores”, levando em consideração que essa pressão exercida sobre outrem, independente da fama ou não, pode interferir na saúde mental do ”cancelado”.
“Exagero”
A influenciadora digital Nathália Jackeline, de 18 anos, acredita que, às vezes, o cancelamento ocorre de maneira exagerada, mas que, se acontece, é porque algumas se sentem ofendidas com o posicionamento de outras. “A gente deve considerar algumas reflexões a mais, até porque lidamos com pessoas” explica.
A jovem, que tem um canal no Youtube, diz já ter recebido manifestações de ódios na plataforma “Confesso que, no começo, era um pouco difícil de lidar. Hoje em dia me sinto mais tranquila em relação a isso”, desabafa. Ela ressalta, também, que os comentários positivos ela leva como aprendizado e melhoria de seu trabalho, mas que os negativos ela busca ignorar.
Nathália não sente medo de ser cancelada nas redes. “Não penso muito nisso de ser cancelada, procuro produzir meu conteúdo de maneira sincera e sempre me colocando no lugar das pessoas que vão receber” explica.
Além disso, a influenciadora acredita que, no início, realmente existia a preocupação em alertar as pessoas sobre ações e falas negativas, mas que, agora, isso saiu do controle e qualquer coisa é motivo para cancelar. “O problema não é apontar um erro de alguém, é a forma como esse erro é apontado” afirma a jovem..
Por Lara Vitória, Nathalia Guimarães e Rayssa Loreen
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira