A tese de doutorado nomeada “Colonialidade da Sexualidade”, defendida na Universidade de Brasília, demonstra o processo histórico-cultural que contribui para que o Brasil seja o quinto país que mais comete feminicídios no mundo. Autora do estudo, a pesquisadora e ativista lesbofeminista Cláudia Macedo apresentou os resultados do seu doutoramento, que contém dados sobre o assassinato de mulheres homossexuais, na reunião extraordinária remota da CPI do Feminicídio da Câmara Legislativa, nesta quinta-feira (22).
Segundo a estudiosa, a lesbofobia “tem um histórico arraigado no sistema capitalista e no processo de colonização que deixa suas marcas até hoje”. Os números apresentados mostram também que 83% dos lesbofeminicídios são cometidos por homens e 66% das vítimas são “lésbicas não feminizadas”. Macedo mostrou que a homossexualidade é retratada historicamente como uma anormalidade, sendo enquadrada como doença, pecado e crime.
“Os corpos-mentes-espíritos que importam, que são valiosos, que têm direito a ter direitos e que merecem viver são aqueles heterossexuais. Mesmo que tenham ocorrido mudanças ao longo dos séculos, essas marcas da colonialidade ainda persistem nos tempos contemporâneos”, analisou a pesquisadora. Ela listou proposições centradas, principalmente, na realização de estudos aprofundados sobre a população LGBT para embasar políticas públicas que envolvam conscientização e sensibilização da sociedade e dos agentes públicos. E salientou a necessidade de “romper o silêncio; identificar e nomear a violência; não estigmatizar; e, pensar o papel do Estado”.
A Comissão também ouviu a coordenadora da Rede de Solidariedade do Distrito Federal, Helen Frida, feminista, ativista da causa bissexual e assessora de Gênero da Câmara Federal, que destacou a importância de se descontruir a “lógica monosexista enraizada na nossa cultura”. Ela denunciou a falta de dados por parte dos poderes públicos sobre a população LGBT, em especial dos bissexuais que, segundo Frida, enfrentam uma invisibilidade dentro do próprio movimento. “Não temos dados seguros de feminicídios das mulheres bissexuais”, frisou. Para a especialista, é fundamental que o Estado produza pesquisas para “superar as dificuldades de atendimento e acolhimento da população LGBT, e sobretudo das pessoas bissexuais”.
A ativista defendeu a necessidade de formação de agentes públicos de modo a permitir “acesso a serviços de saúde seguros e não discriminatórios” e enfatizou que os bissexuais são sempre abordados de forma estigmatizada pelos meios de comunicação, o que afetaria a saúde mental dessas pessoas. “Que a gente consiga construir um outro futuro, a partir do agora, legitimando as nossas existências, reconhecendo que outras formas de se existir são possíveis”, salientou.
Ciência contra o preconceito
Presidente da CPI em exercício, a deputada Arlete Sampaio (PT) ressaltou a importância do conhecimento científico no combate ao preconceito: “A medicina chegou à conclusão de que não existe apenas um padrão sexual para os seres humanos”. De acordo com a parlamentar, “é fundamental capacitar as forças de segurança, os professores, para entenderem o ser humano como é: a natureza humana é diversa e tem de ser compreendida como tal”.
O deputado Fábio Félix (PSol) considerou um “momento histórico” a oitiva na CPI sobre “um tema de tanta invisibilidade por parte do Estado”. E ainda que “ouvir pesquisadoras e movimentos sociais é essencial para a compreensão dos fenômenos e das realidades concretas”. O distrital lamentou o fato de que os avanços dos direitos LGBT no Brasil tenham ocorrido apenas no poder judiciário. “É tanta fragilidade que a gente, agora, com a LGBTfobia, está vendo ser expedido um requerimento de informações da Advocacia Geral da União com o propósito de enfraquecer e criar uma espécie de excludente de ilicitude religiosa em relação à criminalização da homofobia”.
Já Leandro Grass (Rede) destacou a importância de se fortalecer a relação entre a pesquisa acadêmica e a gestão pública para aperfeiçoamento e adequação dos serviços à pluralidade da população. Ele propugnou uma “formação continuada de todos os gestores e técnicos”, de acordo com a complexidade social, e criticou as “tendências generalistas” ainda verificadas nos serviços segmentados. “A rede de proteção às mulheres não pode querer que elas sejam iguais, na perspectiva da sexualidade, renda e questão racial, entre outras. Não se pode mais admitir essa visão generalista sobre públicos, problemas e realidade tão complexas e plurais”, avaliou.
Além de apurar e denunciar problemas no combate ao feminicídio no Distrito Federal, a CPI da Câmara Legislativa tem por objetivo exercer um papel propositivo de orientar políticas públicas com base nos dados colhidos em oitivas de especialistas, ativistas e gestores.
Mario Espinheira
Imagem: Reprodução/TV Web CLDF
Núcleo de Jornalismo – Câmara Legislativa