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Formiguinhas: grupo de amigos amplia solidariedade em periferias

Um grupo de amigos que era voltado a promover ações culturais com moradores da Estrutural expandiu fronteiras durante a pandemia. Chegam com cestas básicas e atenção onde não há álcool em gel nem holofotes. O projeto é o Formiguinhas da Alegria. O nome ganhou novo sentido nesses dias de crise.

O projeto social Formiguinhas da Alegria começou as atividades em 2016. A partir do olhar de seis amigos que decidiram sair da própria bolha social e promover encontros culturais para crianças da Estrutural, região conhecida por ter, até 2017, o maior lixão a céu aberto da América Latina. Durante a pandemia, o grupo resolveu expandir o espaço de ação.

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A coordenadora da iniciativa, Taina Pessoa, orgulha-se dos feitos do grupo. “Nosso foco sempre foi trabalhar com crianças e lembrar a velha infância. Então a gente procura levar bola, corda, elástico, bambolê e brincar de amarelinha. Fazemos de tudo para que elas esqueçam por um momento a dura realidade”, destaca.

Ela explicou como o projeto deixou de apenas proporcionar dias culturais para a criançada na Estrutural e passou a dar assistência às famílias carentes em todo o DF. “Vimos que tinham outras regiões que precisavam de suporte. São lugares onde as crianças, para irem à escola, têm que andar entre 9 a 12 km porque não passa ônibus. Ficamos chocados com essas realidades. Então passamos a levar alimentos, materiais de higiene pessoal e produtos de limpeza a outros locais além da Estrutural, como Fercal, Catingueiro e São José”, relembra. Para quem não sabe, a Fercal e o Catingueiro são cidades próximas a Sobradinho, e São José é situada na região administrativa de Ceilândia.

Porta de afazeres e as formiguinhas

Após alguns minutos de bate-papo, perguntei para Taina como estava sendo o contato com as famílias diante da chegada do coronavírus à periferia. E tão rápido quanto adormecer, a feição alegre e o brilho nos olhos da entrevistada, se entristeceu. A voz agitada e empolgada se transformou em tensa e melancólica. “Sempre tivemos contato direto com as crianças, de pegar no colo, brincar e ficar abraçados. Então, é bem difícil, sendo sincera. Inclusive, quando chegamos aos locais onde já conhecemos algumas crianças, elas correm e agarram nossas pernas. A gente já sai cumprimentando com o cotovelo, dando máscara e tentando repassar os cuidados de forma lúdica”, explica. É na base da brincadeira que eles tentam conscientizar.

O semblante da coordenadora voltou a se iluminar quando tratou sobre os momentos marcantes que ela havia vivido desde que começou a trabalhar no Formiguinhas da Alegria. Taina relembrou, com voz risonha, de uma situação que testemunhou ao chegar em uma comunidade na Fercal (DF). “Quando chegamos lá, havia uma casa onde uma mãe super criativa tinha feito uma ‘porta de afazeres’ para as crianças.  Elas não tinham o que fazer, então a mãe distribuiu as tarefas da casa. As crianças relataram que estavam cumprindo aquilo ali e que era um bom jeito de se ocuparem. Porém, cada uma tinha uma atividade preferida. Na porta de afazeres, as missões eram: limpar a casa, a cozinha e o quarto, lavar o banheiro e o quintal, fazer o almoço e higienizar a geladeira e o armário.

Fora da caixinha

Para que eu soubesse um pouco mais sobre o Formiguinhas da Alegria,  conversei com o integrante Tiago Fontenelle, que é responsável pelas mídias sociais do projeto. Alto, cabelo recém-cortado, olhar marcante e barba por fazer, o voluntário de 21 anos explicou como começou a participar da iniciativa. “No meu ensino médio, eu fiz uma ação cultural na Estrutural e a Taina, que é a atual administradora, queria muito montar um projeto. Quando eu conheci a realidade daquele lugar, saí da minha caixinha, da minha zona de conforto, e pensei: ‘caramba, eu moro em Vicente Pires, na parte que fica em frente à Estrutural, e é basicamente só atravessar a avenida para ver uma vivência totalmente diferente da minha’”, destaca.

Ao longo do nosso diálogo, Tiago se mostrou revoltado e angustiado com a situação da população da Estrutural. “Quando você conhece o que realmente acontece lá, é difícil ignorar porque quando passamos em frente à cidade, vemos uma maquiagem que o governo fez, com paisagismo e casas bonitinhas na marginal. Mas se você adentra uns 500 metros, um quilômetro, mais ou menos, você passa a enxergar a verdadeira realidade. Barracos de madeira, poucos ambientes asfaltados, falta de saneamento básico… Sem falar que somente há pouco tempo o lixão foi fechado. Então, imagina quantas pessoas morriam lá e ninguém sabia, ou nem conseguia contabilizar”.

Troca de afeto

Encantado, o voluntário fala com carinho e gratidão sobre a troca de afeto que recebe ao participar do grupo, e como ele tenta tornar o dia daquelas pessoas o mais especial possível. “O mais gratificante é você ver, principalmente nas crianças, o sorriso e a entrega que elas têm com a gente quando vamos fazer as brincadeiras e as doações. Acho que quando a criança vem e te abraça, naquele dia, ela te adota como um parente. Ela não vê a doação nem o brinquedo, mas sim a presença. Quero que aquela criancinha se sinta amada e saiba que ela simplesmente existe, pois muitas vezes essas pessoas reconsideram a própria existência por acharem que não são importantes”.

Via de mão dupla

Decidi conversar com mais um voluntário do Formiguinhas da Alegria para me aprofundar ainda mais e ver como esse programa tem transformado vidas. Não só daqueles que recebem as doações, mas também de quem faz tudo isso acontecer. Olhos grandes e verdes, e cabelo levemente iluminado na altura dos ombros, Mariana Mendes é conhecida pelo jeito amoroso e por estar sempre disposta a ajudar.

Mariana trata de forma afetuosa sobre como o Formiguinhas da Alegria mudou a maneira como ela enxerga o mundo. “O projeto me fez parar de olhar só para mim. Deixei de achar que a vida é um conto de fadas, pois é totalmente o contrário, já que na realidade, temos que fazer a nossa parte. Só assim poderá existir uma mudança para finalmente ter um mundo melhor”, revela.

Da mesma forma, a jovem ainda lembrou emocionada sobre como a vida dela mudou. “O projeto faz mais por mim do que eu por ele, porque aprendo muito em cada entrega. Acho que o mais gratificante é o conhecimento que eu ganho com ele.  Aprendi a dar valor nas coisas que tenho e na vida que eu levo. Também passei a valorizar mais as pessoas que me cercam. Em tudo, na verdade. Com certeza o Formiguinhas da Alegria me faz uma pessoa muito melhor”.


Por Vivyan Linhares
Foto: Formiguinhas da Alegria/Divulgação

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira