Após estacionar o ônibus na garagem, Francisco Joseli de Oliveira, 54 anos, olhou para o relógio. Já era 1h40, horário de acabar o expediente e ir para a casa. De segunda a sábado pela madrugada ele faz o mesmo trajeto de bicicleta. O terminal de ônibus do P.Sul fica a quase 3 quadras da sua residência. É perto, mas não deixa de gerar tensão por conta da hora do percurso. Ele, que é cheio de humor, leva a vida como motorista. “Às vezes, você encontra um querendo matar o outro. Deus me protege”, acredita. O motorista de ônibus faz a linha entre o Plano Piloto e Taguatinga.
O dia começa ainda de manhãzinha. Ele explica que não consegue dormir tanto. Mesmo chegando tarde em casa, quando o despertador toca por volta das 6h da manhã, sua esposa acorda e ele também. Neste momento, inicia o expediente dela. Francisco se revira na cama por um momento, até que desiste, deixa de lado a insistência de permanecer mais um pouco deitado e se levanta. É o momento de cuidar da casa e dos filhos, Felipe de 14 anos, Camila de 12 e Samuel de 9.
Filhos à espera
Entre broncas e brincadeiras com as crianças, os ensinamentos são claros “eu quero que eles estudem e corram atrás”. O pai que concluiu só o primeiro ano do ensino médio, tinha o desejo de entrar para a Polícia Militar, mas teve seu sonho frustrado já que teria sido eliminado por ter uma tatuagem feita aos 14 anos. Na época, ele também teve problemas nos dentes, o que serviu de mais um empecilho para sua entrada na polícia.
“Eu me arrependo muito de ter feito essa tatuagem quando era jovem e de não ter cuidado tanto de mim. Eu não quero isso para os meus filhos, por isso sempre pego no pé”. Ele diz ter feito três faculdades: “filosofilhos, merdicina e burrologia”, revelou aos risos. “Como eu sou especialista nesses assuntos, falo para eles não fazerem filhos nem merda, e nem serem burros”, explica sem perder o bom humor.
Sonho de se aposentar
Apesar dos mais de 30 anos de contribuição no sistema rodoviário, ele continua na luta para a aprovação de sua aposentadoria – que sempre dá indeferido. Entretanto, isso não é sinônimo de paralisação, quando o assunto é cuidar da família, Francisco até consegue tirar um extra. De vez em quando ele presta serviço para a imobiliária de uns amigos, atuando como corretor. Quando consegue fazer um bom negócio, a comissão entra e já serve para custear as contas da casa.
Ao longo do dia o trabalho é: ser pai e dono de casa, já que a esposa Antônia é babá em uma casa de família no Núcleo Bandeirante, e costuma viajar a trabalho quando é preciso. Logo, as atividades da casa ficam todas com ele.
No volante
Ao sair de casa para iniciar o serviço – no terceiro turno, às 17h20 da tarde, ele deixa seus caçulas sob responsabilidade de Felipe, o filho mais velho. E segue em direção a mais um dia no volante com suas três linhas, a primeira é para a Rodoviária do Plano Piloto, a segunda para a W3 Norte e a última do dia segue novamente para a Rodoviária do centro da capital brasiliense.
Sua jornada de trabalho é de 08h seguidas, sendo que 06h delas é exclusivamente sentado no motor. Com tantas horas em uma posição ele diz que uma vez ou outra fica desconfortável mas que “já estou acostumado”. O restante das horas são divididos em intervalos que ele faz entre uma linha e outra, sendo um de 20 minutos e outro de 50 minutos, ou entre esses meios tempos.
Coluna
“A única coisa que eu peço é que Deus me dê saúde pra trabalhar e cuidar dos meus filhos”, suplica, levando em consideração que alguns de seus colegas de trabalho tem sérios problemas de saúde por ficar muito tempo sentado, e que ele é uma exceção. “Muitos comentam de dor na coluna e pegam atestado, outros acabam tendo que ficar encostados, não conseguem mais trabalhar naquela posição e ficam recebendo pelo INSS. É triste”.
Ele considera sua escala na empresa Marechal a mais tranquila, afinal seu expediente é no fim do dia, portanto, não enfrenta tanto trânsito como alguns amigos. Em contrapartida, presencia mais assaltos que os demais. Entre as 17h até quase 2h da manhã, o motorista de ônibus já presenciou um assalto que resultou em morte. Aconteceu há 10 anos atrás, quando 5 jovens entraram em seu ônibus e ao verem que tinha um policial – fardado e armado – atiraram e foram embora. Episódios assim acontecem mais ao tardar da noite, mesmo que segundo ele não sejam tão frequentes, porém tendem a acontecer mais no seu turno.
Com um revestimento de homem de fé, sempre pedindo proteção e benção ao entrar e sair do trabalho, Francisco também assume coragem para enfrentar os acasos que unem ruas, pessoas e transportes públicos.
Por Paloma Castro
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira