O dia dela começa às 8h e só termina por volta de meia-noite. São 16 horas para conciliar o papel de atleta, cantora e bombeira militar. Ive Lorena Athaydes, 31 anos, é major no Corpo de Bombeiros, subcomandante da comunicação social da corporação, vocalista de três grupos que se apresentam na noite da cidade e uma das 12 atletas do time de futebol feminino da segurança pública do Distrito Federal, que se prepara para os Jogos Mundiais de Policiais e Bombeiros 2019, que acontece em agosto na China.
Nascida em uma família de músicos, ela sempre gostou de cantar, mas, em tempos difíceis, precisou buscar uma forma de se sustentar antes de tentar seguir a carreira de cantora profissional. Foi assim que surgiu a segunda paixão: a corporação dos bombeiros. Aos 19 anos, Lorena foi aprovada no concurso de oficiais do Corpo de Bombeiros, em julho de 2007. À época, a ideia era ter um salário garantido para concretizar seu sonho: viver de música.
Por ser mulher, tudo que a gente se propõe a fazer é desafiador. A gente tem que lutar pelo nosso espaço em qualquer lugar
“Foi minha mãe que me forçou a passar nesse concurso dos bombeiros, não era algo que eu sonhava”, conta. “Não tinha como eu sonhar em trabalhar com música sem o dinheiro em casa. Mas, no dia em que botei meus pés na instituição, me apaixonei. O tempo foi passando e eu fui me envolvendo mais e mais”.
Em pouco mais de 11 anos na corporação, ela passou três anos como cadete – enquanto cursava a Academia do Bombeiro Militar –, seis meses como aspirante, três anos como segundo tenente, dois anos como primeiro tenente e três anos como capitã. Faltam apenas as patentes de tenente-coronel e de coronel para completar a carreira de oficial militar. “E, se você me perguntar, eu tenho muita vontade de ser comandante-geral da instituição, de galgar os postos de comando aqui dentro”, diz. “Fui treinada para assumir funções de comando.”
Cantora profissional
A música, no entanto, não foi deixada em segundo plano. Lorena, que também toca saxofone, continuou cantando e a carreira profissional começou em 2011. No quartel do Comando Geral do CBMDF, os cabelos cacheados e volumosos dão lugar ao coque e as roupas estampadas e de alça são substituídas pela farda. Quando está à paisana, porém, ela pode ser vista à frente do grupo Cordel de Samba e nos coletivos Essa Boquinha eu já Beijei e banda Maria Vai Casoutras, que arrastam multidões no Carnaval de Brasília há seis e cinco anos, respectivamente.
E isso nem é tudo. Desde 2015, Lorena também faz parte do time de futebol feminino da Segurança Pública do DF – que, em 2017, foi a primeira equipe a representar o Brasil nos Jogos Mundiais de Policiais e Bombeiros (World Police and Fire Games), um evento esportivo bienal aberto a policiais, civis e militares, e bombeiros da ativa e aposentados de todo o mundo. As 12 atletas trouxeram a medalha de bronze de Los Angeles (EUA) e a major, capitã da equipe, foi a artilheira da competição. Este ano, mais de 40 servidoras das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros estão em treinamento para o fechamento do time que vai para a China.
Representatividade
Conciliar tantas atividades requer esforço e disciplina. As manhãs de Lorena, inclusive as de sábado, são dedicadas à atividade física: os treinos de futebol e musculação. À tarde é reservada para o expediente dos bombeiros, que vai das 13h às 19h, e as noites são para ensaios e apresentações.
“Eu tento limitar minha agenda de eventos para os fins de semana e deixar o Corpo de Bombeiros específico para os dias de semana, mas também cumpro uma escala de serviços operacional, mesmo estando no expediente”, conta. “Então, eventualmente, eu posso pegar um serviço de 24 horas no fim de semana. Se o dia de serviço coincidir com um show, eu tento trocar com um colega. Mas tudo que envolve os bombeiros é minha prioridade, porque a música, apesar de me dar algum retorno financeiro, não é o meu sustento”.
Além de tanta movimentação na vida profissional, Lorena também tem outro papel a exercer: o de mulher e esposa. Casada há cinco anos, ela ainda não encontrou espaço para os filhos em sua rotina. “Minha mulher e eu queremos ser mães, mas é um plano para o futuro”, justifica. A major é uma das 42 mulheres em cargos de chefia do CBMDF e uma das 786 militares em uma corporação ainda dominada pelo sexo masculino – são 5.674 homens, e as mulheres representam apenas 13% do efetivo.
42Número atual de mulheres em cargos de chefia no CBMDF
“Por ser mulher, tudo que a gente se propõe a fazer é desafiador”, avalia. “A gente tem que lutar pelo nosso espaço em qualquer lugar, tanto na música quanto na minha corporação, que é militar. A gente sabe que nosso mundo como um todo ainda é muito machista. Por isso me dedico tanto, para poder ser exemplo para as mulheres que estão entrando agora na corporação, no mundo da música, onde elas quiserem estar”.