O cerrado é considerado o “berço das águas”, pois nessa região se encontram diversos bolsões e bacias que nascem nele. A Bacia Platina, por exemplo, tem afluentes que nascem próximo à estação de águas emendadas. Mesmo assim, a bióloga Maria Cristina Coimbra Marodin explica que existem três desafios a serem combatidos no bioma: a escassez de água, a expansão urbana e o terceiro, o desmatamento predatório da vegetação típica do cerrado.
“Temos um regime de chuvas em toda essa região do cerrado muito bem definido, são seis meses de seca absoluta e seis meses de chuva, a gente não precisa construir mais barragens, podemos usar nossos aquíferos como depósitos naturais”. O professor Luiz Amore explica como funciona a relação água e cerrado. Confira a entrevista na integra abaixo:
A bióloga Maria Cristina Coimbra Marodin, especialista em saneamento básico, atualmente responsável pela Unidade de Recursos Hídricos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema-DF), apresentou 80% da água do país se encontra no Norte, estado que possui apenas cinco por cento da população, já nas regiões sul e sudeste o cenário é invertido.
Algumas ações propostas por ela para amenizar a situação seriam o uso racional dos recursos hídricos e as questões políticas com relação a políticas públicas envolvendo projetos de restauração ambiental. Ela acredita que deva existir uma sinergia entre órgãos responsáveis para que o trabalho seja feito de maneira mais eficaz.
Ela explica que, nesse contexto, as ações a serem implementadas, no âmbito deste contrato, deverão ampliar a capacidade de ação do governo do Distrito Federal e entorno, na implementação de ações que promovam a proteção dos recursos naturais com vistas a uma maior produção de água, associada ao processo de diversificação produtiva na região.
Dentre as diversas ações previstas, encontra-se a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) mecanizados em 20 hectares, beneficiando cerca de 40 produtores rurais dessas bacias hidrográficas, com treinamento e o plantio de SAFs.
Os implementos agrícolas que estão sendo utilizados para apoio à implementação dos Sistemas Agroflorestais são uma enxada rotativa com subsolador integrado, uma ceifadora e um podador de altura. Esses são equipamentos totalmente customizados para essa finalidade se constituem em tecnologia absolutamente inovadora e pioneira, no Brasil e no mundo. Os equipamentos trazem como principais vantagens a redução significativa do tempo para plantio e manutenção das áreas onde os SAFs estão sendo implantados, ampliando a escala no uso de agroflorestas para grandes áreas.
Programa
A Secretaria do Meio Ambiente lançou, em 2019, programa para aprimorar o uso da água nas áreas rurais, com intuito de preservar umas das fontes de vida mais importante. A bióloga Maria Cristina Marodin explica como o projeto de mecanização pode preservar e até salvar o ecossistema aquífero do cerrado e ainda reduzir custos para a população agrária.
Dentre as diversas iniciativas em andamento na Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal com relação à gestão da água no DF, está a contratação, ocorrida em janeiro deste ano, de uma Instituição para a realização do programa ”Boas práticas, inovação e pesquisas para a conservação de água e solo” nas Bacias do Descoberto e Paranoá, no âmbito do projeto GEF “Promovendo Cidades Sustentáveis no Brasil por meio de planejamento urbano integrado e do investimento em tecnologias inovadoras”.
O principal objetivo do projeto é promover o planejamento e investimento integrados e sustentáveis nas cidades do Brasil, tendo sido as cidades de Brasília e Recife escolhidas como piloto para o desenvolvimento de sistemas de gestão e planejamento integrados e georreferenciados, bem como para o investimento em tecnologias inovadoras para a escalabilidade de soluções capazes de endereçar problemas, tais como: uso de soluções de fito-remediação e jardins filtrantes para limpeza de cursos e bacias d’água, uso de energia solar descentralizada, implementação de Sistema Agroflorestal (SAF) mecanizado, entre outros.
O foco territorial do projeto no DF são as bacias do Paranoá e do Descoberto, que juntas respondem por cerca de 85% do abastecimento de água da capital federal e que são fundamentais para a segurança hídrica do Distrito Federal.
Esse é um projeto piloto no qual estão sendo selecionadas áreas agrícolas que atendem a diversos critérios técnicos, tais como eliminatórios e classificatórios. Na fase eliminatória o candidato deve apresentar alguns itens como, ter a propriedade inscrita no (CAR) Cadastro Ambiental Rural, dispor da documentação mínima sobre a posse ou propriedade da terra, estar com a outorga do uso da água expedida ou solicitada, assinar um pré termo de compromisso, disponibilizar mão de obra para apoiar a execução dos trabalhos, ter disponibilidade para implantação em prazo compatível com o projeto e condição de irrigação da área implantada no período seco, e pôr fim a propriedade deve ter área mínima para mecanização de 0,5 hectares e possibilitar o acesso as maquinas.
Os critérios classificatórios são demonstrar interesse em participar de projetos dessa natureza, estar inscrito no programa de Boas Práticas na Agricultura da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Seagri), apresentar presença de cobertura vegetal com gramíneas bem desenvolvidas e solo de qualidade, bem drenado, com ausência de obstáculos que impeçam a operação das máquinas
Segundo a bióloga, uma das causas da crise de 2016 foi a baixa pluviometria que nesse período chegou ao menor estágio nos últimos 38 anos. Outros motivos, os baixos investimentos e as ocupações irregulares, prejudicaram não só as regiões invadidas, a captação clandestina também preocupa os especialistas. De acordo com estatísticas apresentadas por Maria Cristina, o reservatório do Descoberto conseguiu se recuperar mais rápido que o de Santa Maria, ela acredita que pelo menos por enquanto não há possibilidade de outra crise hídrica no DF.
“Plantação”
Com a expressão “água se planta”, o ex-secretário do meio ambiente do DF, André Luiz Lima, pesquisador em política ambiental, explica como podemos evitar que outra crise aconteça como a de 2016.
“Tivemos que tomar uma decisão impopular que foi o racionamento e a derrubada das casas”, explica André Lima, ex-secretário do meio ambiente que coordenou a secretaria no período de 2015 a 2017. Com a expressão “água se planta”, ele explica que uma estratégia a ser adotada é não continuar a expansão desenfreada de cidades.
Ele acredita que a proteção das nascentes seja uma boa opção, porém, julga necessário a uma revisão sobre o crescimento desenfreado do avanço urbano que acredita ser um grande problema, pois o processo que o solo passa de impermeabilização prejudica ainda mais o desenvolvimento da vegetação.
“Manter permeável e abastecer o cerrado para preservar a capacidade evolutiva faz com que incêndios em regiões mais vulneráveis de seca sejam evitados, os processos de impermeabilização tornam o solo incapaz que absorver a água, fazendo com que as nuvens se sobrecarreguem criando então as tempestades que em alguns casos são devastadoras”, afirmou.
De acordo com o Lima e as estatísticas apresentadas, Brasília nos últimos 50 anos teve um aumento de 0,1 grau por ano, a temperatura na parte da noite dobrou e praticamente quadruplicou negativamente a seca e baixa humidade do ar.
O programa que o governo quer implementar tem o intuito de fazer com que o consumo de água passe a ser mais consciente por parte não apenas dos agricultores, mas também de outras vertentes, como é o caso da Brás Flores, que tem como gerente de vendas, o agricultor Mário Kodama, de 60 anos, que cuida de toda a logística do negócio. O sistema que é utilizado pela empresa, é o de poço artesiano, que no caso deles é registrado pela Agência Reguladora de águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (ADASA). Ele conta como a água chega até a plantação.
“Aqui o sistema é de poço artesiano e abastece a caixa de 10 mil litros, que leva para os tanques onde dois motores do sistema de irrigação de todas as plantas e para acionar essas bombas já é automatizado, tem o relógio que em um determinado horário ele aciona de maneira automática e vem acionando as estufas”.
Quando as bombas estão paradas, uma mangueira jorra água para oxigenar os peixes que são usados nos tanques, para proteger a qualidades da água que é usada na irrigação. Cada bloco tem um horário, que se revezam de 10 em 10 minutos. A irrigação é feita pela lateral da estufa. O consumo deles não é preciso pois vem do poço e segundo Kodama não dá para mensurar.
Já o agricultor Antônio Pereira, de 54 anos, faz de um jeito diferente, a água vem do córrego que passa ali próximo e então é feito o bombeamento por meio de uma válvula manual. Assim é feita a irrigação da plantação. O método precisa ser feito duas vezes ao dia, de manhã e à tarde. Em períodos de chuva, o processo é igual tanto para ele quanto para a floricultura de Kodama mesmo com a diferença estrutural entre os dois, porém no caso de Antônio, a chuva não ajuda pois prejudica alguns tipos de hortaliças, restando apenas o milho e o feijão, que de acordo com o agricultor são os que mais resistem ao excesso de água. A chácara de pouco mais de 800 metros quadrados tem como carro chefe a alface, agrião entre outros produtos. Em tempos de frio, o plantio é prejudicado pois a plantação dos vegetais aumenta e o preço precisa acompanhar o que dificultam as vendas.
Texto e Fotos: Henrique Kotnick
Vídeo: Ricardo Ribeiro
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira