Cinco surdos diretores de cinema com o mesmo propósito: motivar o interesse da comunidade surda pelas artes. “Arte é vida”, enfatiza Luérgio de Sousa, 29 anos, produtor de arte. Segundo ele, há engajamento dos surdos no esporte, educação e religião, mas na arte ainda é muito escasso.
Foi essa mesma percepção que um dos idealizadores da 1ª Mostra Surdo Cinema, William Tomaz, 32 anos, intérprete de libras e artista do DF, teve ao elaborar o projeto. A mostra acontece neste sábado, 30, no Cine Brasília (106/107 sul), lugar que William intitula como “ berço no cinema brasiliense”, às 20h. A entrada é gratuita e a classe indicativa é 16 anos.
William relata que, em uma conversa informal com duas colegas surdas sobre as dificuldades e preconceitos sofridos, resolveram expressar toda a insatisfação por meio da arte. “ O objetivo do projeto é tornar o indivíduo o protagonista da sua própria história. Não posso ganhar prêmio regado a sangue alheio”, afirma William Tomaz
Ceilândia e Taguatinga
Haverá reexibição em mais duas localidades, Taguatinga no dia 3 de abril no CNB 12-AE 2/3 e Ceilândia no dia 5 de abril na QNN 27-AE, Lote. B, a primeira exibição está longe de ser a última se depender dos diretores dessas histórias narradas no silêncio. “ O surdo é capaz de trilhar qualquer caminho baseado em suas escolhas”, afirma Luérgio.
William relata que um dos acontecimentos que mais o marcou e o engajou a realizar o projeto foi ver surdos não serem aceitos para papéis de surdos em filmes, mas chamados apenas para capacitarem ouvintes a serem como eles. “Isso é como falar para uma pessoa branca se pintar para protagonizar uma pessoa negra, é uma apropriação cultural terrível”, ressalta o artista.
Após testemunhar e ouvir as mais variadas experiências, ele teve a ideia de ministrar oficinas junto com outros intérpretes a fim de capacitar surdos a criarem seus próprios projetos, pois dessa forma eles poderiam capacitar, futuramente, outros surdos interessados. A turma que começou os ensaios em agosto do ano passado com quarenta alunos surdos, terminou com doze participantes.
Fotografar, gravar, preparar figurino, cenário, tudo isso foi de total responsabilidade e decisão dos alunos, em uma das oportunidades eles gravaram das 20 horas até às 2 da manhã em uma região do Lago Oeste, “ É resiliência, se repaginar, se reconstruir”. Os ensaios ocorreram de forma gratuita na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (APADA), além de espaços externos.
A fim de conseguir apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), que abriu edital em 2017 com o objetivo de apoiar quatro projetos da área cultural de audiovisual com ações de capacitação e formação, William inscreveu o grupo e com muita surpresa receberam a maior nota. O incentivo veio em boa hora, com o suporte foi possível realizar a compra de materiais, aluguel de equipamentos, espaço, lanches, e colaborar com professores e intérpretes empenhados na causa.
Primeira edição
O resultado da primeira edição da Mostra Surdo Cinema é a criação de quatro curtas. As temáticas “violência contra mulher”,” traição”, “relacionamento entre surdos e ouvintes”, “comportamento abusivo” e “preconceito com surdos”, como por exemplo os seguintes títulos,“Libras é merda?”, “ O Corpo da liberdade”, “ Não me toque” e “ A Boneca de Sangue”. Os diretores Luérgio de Sousa, Pammelleye Katherinne Machado, Renata Rezende, Michelle Nakamura e Johnnatan Silva optaram por legendar os trabalhos que terão até 15 minutos cada. Renata, 36 anos, é a diretora do curta “ O Corpo da liberdade”, este apresenta a trama de um casal que passa por problemas no relacionamento, a história é marcada por um mistério a ser desvendado.Segundo Renata, os surdos não são incluídos em filmes de ouvintes, e com o projeto, a atenção será voltada para a comunidade surda e todos poderão ver a capacidade dos atores.
Já para Pammelleye, 24 anos , diretora do “ Não me toque”, a divulgação do trabalho é necessária para que projetos feitos por surdos sejam valorizados. “ Se formos bem, o FAC verá que somos capazes e haverá uma maior valorização pela acessibilidade na arte para surdos, o que não há muito hoje”. Já Johnnatan, 32 anos, que é fotografo e lida com surdos, explica que teve o desprazer de testemunhar em vários lugares o desrespeito com surdos e com a Língua Brasileira de Sinais (Libras). “A sociedade não tem respeito por Libras como tem pela língua portuguesa. Fiz este curta para mostrar as barreiras linguísticas e sofrimentos dos surdos. Os ouvintes precisam respeitar”
Na apresentação de “Boneca de Sangue”, o diretor Luérgio de Sousa relata que, se baseou nos problemas reais da sociedade para criar o curta. O alto número de casos de feminicídio, assédios diários e violência contra mulheres o despertaram a fazer algo sobre a temática. Ele explica que usou uma metáfora para explanar a questão. A boneca como a mulher que é vista como um simples objeto, dentro da sociedade machista em que vivemos. Já o sangue representa o sofrimento e alguns casos, até a morte. “O surdo é capaz de lutar pelos direitos, de ser ator, de ter suas próprias escolhas, mostrar isso para sociedade é importante”, encerra Johnnatan.
Luérgio, Pammelleye e Renata conversam sobre o Surdo Cinema. Eles comentam da importância da Mostra para a comunidade surda,que muitas vezes é excluída do cinema, por não haver inclusão. Segundo eles, a Mostra chamará a atenção de todos, mostrando que o surdo é capaz, além de encorajar outros surdos a participarem do projeto.
Por Rayssa Brito
Supervisionada por Luiz Cláudio.