Com a suspensão do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do porte de drogas, que aconteceria nesta quarta (5), a polêmica formada entre os que são favoráveis e os que são contrários à medida não arrefeceu. Isso porque nesses 1383 dias de distância entre o início do julgamento (22/8/2015) e a votação que estava marcada para esta semana, as posições antagônicas trazem à tona que os poderes da República têm procurado evitar o assunto. No primeiro julgamento, Luiz Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes votaram por mudar a legislação. Os trabalhos no STF estão suspensos indefinidamente. Mas não o tiroteio de versões.
A pauta da descriminalização do porte de drogas é baseada em dois fundamentos. O da liberdade individual e os critérios objetivos que diferenciam traficantes de usuários. Segundo o artigo de 28 da Lei de drogas, “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Leia mais sobre a legislação.
Uma das amostras da divisão da sociedade ocorreu em audiência pública na segunda (3). Para o deputado distrital Fábio Felix, um dos maiores problemas é o tratamento diferenciado em relação a quem usa drogas. “Na guerra às drogas, quem é mais afetado tem cor e endereço. A mesma quantidade de maconha na mão de uma pessoa branca do Plano Piloto é considerada porte para consumo enquanto na mão de uma pessoa negra do Sol Nascente é tráfico”. Para ele, mudar a política de drogas é também uma possibilidade de retirar esse instrumento do “racismo institucional brasileiro”.
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Por outro lado, o secretário nacional de Cuidado e Prevenção às Drogas, Quirino Cordeiro Júnior, do Ministério da Cidadania, acredita que o movimento é apenas o início para outras ações. “Não podemos ter a postura ingênua de acreditar que esse movimento é simplesmente focada na descriminalização da maconha, mas da sua legalização e também da legalização de outras drogas como a cocaína, por exemplo”. O Secretário ainda criticou a maneira como as autoridades são tratadas no Brasil. “Outra questão que precisamos deixar no Brasil é a de satanizar autoridades. O indivíduo que for apreendido com droga vai ser apreendido pela polícia, vai passar por um devido processo legal, com Ministério Público acompanhando, juízes acompanhando, então não dá mais para a gente ficar com esse discurso de demonizar autoridades públicas como a polícia”.
Uma das organizadoras da marcha da Maconha (na semana passada), Ana Cavalcanti, de 23 anos, também esteve presente na audiência. Ela que integra Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, esclareceu que a descriminalização pode dar a oportunidade de lidar com usuários. “Não estamos pedindo pra ninguém usar droga. Estamos pedindo para não criminalizar essas pessoas”. Ela diz que fica triste com a necessidade de ainda se debater essa questão e ressalta que a preocupação deve ser em ajudar, não com os motivos de cada um. “Escutamos diferentes motivos (para usar drogas) quando estamos em contato direto com os usuários. Cada um acaba usando uma substância diferente por um motivo específico. Não cabe a nós ficar pensando em qual o motivo moral de cada um ficar fazendo esse uso, mas o que podemos oferecer como alternativa de cuidado”, finaliza.
O médico psiquiatra Régis Barros acredita que a discussão sobre a descriminalização das drogas está relacionada no Brasil a um moralismo velado. “Quanto mais moralismo vomitado, maior empobrecimento e coisas a serem escondidas. Isso é mais um problema social do que médico”, lamentou em audiência pública. O especialista condena que a repressão é direcionada a pessoas sem privilégios por conta de uma visão conservadora da sociedade. “Eu entendo que a repressão por si só ao usuário não tira o uso de sustância por parte dele. Nós humanos demandamos de prazer. Nós não podemos olhar para o usuário e achar que ele é um vagabundo”. O médico entende que é necessário, para o tema, eficácia na política pública de saúde. “A internação não deve ser a primeira indicação inicial para usuários”, defendeu.
Por Guilherme Gomes e Vinícius Heck
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira