Olhos atentos para o duelo, rivalidade no “mic”, – abreviação usada para microfones – , rimas inteligentes, gritos mais fortes a cada verso solto . É o que se vê nas conhecidas batalhas de rap: democráticas e abertas para quem quiser participar, as batalhas de rima acontecem durante todos os dias da semana em pelo menos alguma região no DF.
Após as pessoas se reunirem, os organizadores chamam quem quiser participar para dar o nome e realizarem o sorteio. Normalmente, 16 MCs disputam em 8 batalhas quem será o vencedor. A cada round, MCs são eliminados para que, no fim, seja escolhido o vencedor. Dentro das batalhas existem modelos estabelecidos. Bate e volta (quando dois MCs que se confrontam, com oito rimas cada um na primeira rodada e quatro rimas na segunda) e o modo tradicional, em que os MCs precisam rimar durante 40 segundos , em um round com quatro rodadas.
O principal das batalhas é ter pensamento rápido e sagaz para conseguir rimar de forma improvisada algo que “ataque” seu adversário, precisando manter “flow”, ideia e respeitar as regras estabelecidas. Assim, a partir do momento que a batida é lançada pelos organizadores, o duelo entre MCs começa. No final, basta apenas a plateia escolher por meio do barulho quem é o vencedor.
“É o rap do DF Invadindo a Cena!”
Grito que vem direto das batalhas, “É o rap do DF Invadindo a Cena!” mostra que o movimento Hip Hop está ocupando cada vez mais com cultura espaços e mentes, não só na capital, mas no Brasil e mundo. Hoje, Rap, Grafite e Break estão espalhados na mídia e fazem a cultura do Hip Hop permanecer crescente e relevante. Fato que mostra bem isso foi o rap no ano de 2017, o rap ultrapassou pela primeira vez o Rock e se tornou o estilo mais escutado nos Estados Unidos. No Brasil, hoje já existem nomes de destaque na música que tiveram base e foram criados no gênero, como Emicida, de São Paulo, foi campeão nacional da Liga de MCs.
Segundo a Secretaria de Cultura do Distrito Federal, existem 38 batalhas de rima cadastradas na capital. E algumas das tradicionais batalhas que acontecem, como a Batalha do Relógio, que acontece na Praça do Relógio, em Taguatinga, se tornaram pontos de cultura. A batalha na praça chega a receber verba do governo para se manter atuante na comunidade.
Outro exemplo de que as batalhas têm papel importante na comunidade é a Batalha da Escada, no Teatro de Arena, da Universidade de Brasília. Uma das integrantes da organização é Marcela Manzoqui, 20, conta que além de palco para arte, diversidade, consciência e lazer, a batalha também é programa de extensão universitária. A estudante de audiovisual é fã de Hip Hop desde nova e saiu da plateia para contribuir com a roda cultural. Marcela começou a frequentar batalhas de rap ainda no ensino médio.
Hoje, Marcela faz parte do projeto extensão e da gestão da batalha, junto com outros estudantes e ex-alunos da UnB.“Conversando com um dos organizadores da batalha, eles me disseram que precisavam de gente para trabalhar e me colocaram no grupo, logo depois passei para gestão.Eu sempre me interessei muito, as vezes eu nem acredito que to lá ainda, pra mim é muito estranho, porque eu sempre fui espectadora, sempre curti muito e entrei nessa. É um espaço muito bom para aprender”, explica Marcela como o trabalho na batalha colabora para seu desenvolvimento universitário.
Com 4 anos de existência, a batalha é uma das mais expressivas e mais frequentadas da capital, com noites em que o público chegou a cerca de 1000 pessoas, Raphael Steigleder, 27 anos, também organizador da Batalha da Escada, conta que a batalha foi criada por estudantes que sentiam a distância entre o Hip Hop e o local, então trouxeram a marginalizada cultura do gênero musical, por meio das batalhas de rap, para dentro da Universidade.“As batalhas fazem sobretudo um papel de publicidade mesmo, porque tem muita gente que se interessa pelo movimento porque vê uma batalha e gosta.”
“Hoje na batalha frequentam em torno de 500 pessoas, toda semana, mas começou na verdade em um lance de escadas que tem próximo ao teatro de arena. Era um lugar menor e cabiam umas 100 pessoas, mas em questão de meses esse público foi aumentando, 130, 150, 200 pessoas. Era interessante porque quando não conseguimos diferenciar pelo barulho quem ganhou, a gente pedia para o pessoal levantar a mão e contava, nessas contagens a gente estimava o público”, lembra Raphael, organizador da Batalha da Escada.
Em um verso de 2017, Froid explica, e não está errado. Um dos rappers que mais ganhou destaque nas batalhas de Brasília, Froid, soltou este verso em um projeto musical que juntava vários rappers de destaque no país. Começando com “Froid, você é f*da cara Queria uma foto nossa Te acompanho das batalhas Sua levada é venenosa”, o rapper conta durante sua participação na música, como as histórias de batalhas são porta de entrada para aproximações de novos trabalhos.
Raphael Steigleder, o organizador da Batalha da Escada , explica que a cena do Hip Hop é divida entre o chamado “mainstream”, o Hip Hop passado nas grandes mídias, e o cenário “undergroud”, quanto os trabalhos ainda estão nas ruas. “A gente costuma brincar que as batalhas funcionam como um escola de base para você ir para o grande público, para o “mainstream”, porque elas funcionam como aprendizado. É o primeiro contato da pessoa com a experiência de palco, de se apresentar e se expor.”
Nas palavras de Murica, 19 anos e artista do rap nacional, as batalhas de rap são onde o Mc, o Mestre de Cerimônia e rimador, é de fato formado, por ter de viver na pele a adrenalina de batalhar e participar da atividade social e cultural, que é uma batalha.
“Em um nível mais pessoal é muito importante, porque você desenvolve a intuição no nível máximo. Você tá lidando com versos na hora e não sabe o que vai vir depois, é a intuição aflorada. O que me ensinou muita coisa, foi onde eu conheci meu primeiros amigos que faziam rap, gente que levava o rap a sério. Eu via os meninos começando a montar um homestudio e ali você vai conhecendo quem faz o Hip Hop,quem vive o Hip Hop na rua,” explica.
Murica segue o caminho de nomes como Froid e Sid, artistas da capital que começaram em batalhas e hoje tem seus próprios trabalhos. Sid, campeão na nacional da Liga de Mcs, em 2016, é fundador da Bendita Gravadora e tem músicas com 8 milhões de views. Já Froid é um dos nomes mais expressivos no cenário nacional hoje. Em 2014 era comum encontrá-lo na Batalha do Museu e hoje em seu canal no Youtube tem mais de 1 milhão de inscritos, com músicas que chegam a 45 milhões de views.
“Meu álbum está na rua e em todas as plataformas. Fome, meu primeiro trabalho sólido e grande, produzido pelo MK, foi feito no estúdio Balaclava Gravadora, produzido inteiro pelo MK. A gente sentou, fez beat por beat, letra por letra, bolamos o conceito. Chamei um amigo que é fotógrafo, fizemos a identidade visual da parada, fizemos umas fotografias, que acabaram virando um álbum de fotos paralelo ao álbum de música, do Henrique Arte. Estou feliz com esse álbum. Rap Nacional, sempre brasileiro!” conta Murica.
Batalha nas telas
A internet veio como um facilitador para a divulgação de qualquer trabalho musical. No caso do rap, isso não foi diferente, como explica Raphael. “O Youtube foi um grande aliado das batalhas, porque é na maioria das vezes de onde as batalhas tiram dinheiro, além das doações.Todo trabalho que se faz para além disso da publicidade. O Youtube e o Facebook deram muita projeção para as batalhas, para entrar em público que até então estava muito distante do rap.”
No Youtube, , diversos duelos fazem sucesso entre os frequentadores do site. O duelo de Krawk x Guinho, no canal da Batalha da Aldeia, de Barueri, São Paulo, tem mais de 8.4 milhões de views.Já Felipe Gaspary, tem um canal que leva o seu próprio nome e há 3 anos cobre batalhas do Rio de Janeiro. Seu canal foi um dos primeiros nesse segmento e tem uma das principais batalhas do Brasil, Orochi x Pelé, de 2015, que hoje tem 6.1 milhões de acessos.
No DF, um dos principais canais de batalha é o do MC Meleca, o “Meleca Videos RAPDF”, e já conta com 1 milhão de inscrições e um vídeo de sucesso, Com mais de 13 milhões de views. BMO Vs Anne, na Batalha do Relógio. O canal também conta com uma rotina programada de lançamentos, que varia de acordo com a programação de batalhas no Distrito Federal.
Por Lucas Pestana e João Pedro Rinehart