Ter sido contaminado pelo novo coronavírus não é motivo para relaxar e deixar de seguir à risca todos os protocolos de segurança estabelecidos pelos órgãos de saúde. O uso de máscara e álcool gel, bem como a prática do distanciamento social, deve permanecer para todos, mesmo aquelas pessoas que já foram imunizadas com a primeira e a segunda doses da vacina contra a covid-19.
O alerta é do médico e professor da Universidade de Brasília (UnB) André Moraes Nicola. Pesquisador financiado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) por meio da Fundação de apoio à Pesquisa do DF (FAP-DF), o especialista busca no plasma do sangue das pessoas infectadas a solução para combater o novo coronavírus.
Em entrevista à Agência Brasília, o cientista ressalta a importância de manter todos os cuidados para evitar uma reinfecção e/ou transmissão da doença.
Doutor em Patologia Molecular pela UnB, ele reforça o papel fundamental da ciência como ferramenta na luta contra o coronavírus, além de salientar a importância do investimento financeiro que o governo local tem feito para colocar em prática diversas ações de combate à pandemia da covid-19. Somente no último ano, o Governo do Distrito Federal (GDF) já investiu mais de R$ 30 milhões para apoiar a execução e o desenvolvimento de projetos e ações de pesquisa, inovação e extensão destinadas à prevenção e ao combate à covid.
Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual deve ser a rotina de cuidados de quem já foi infectado pela covid?
As pessoas têm que continuar tomando os mesmos cuidados. Infelizmente, essa situação ainda vai nos acompanhar durante muito tempo. Existem aqueles que podem se contaminar uma segunda vez e, pelo menos em alguns casos, essa segunda contaminação parece ser mais grave do que a primeira. É possível que essas pessoas fiquem doentes de novo. Além disso, elas podem se contaminar e, apesar de não ficarem doentes, podem transmitir. Relaxar as medidas, como não usar máscara, encoraja outras pessoas, que vão ter a sensação de que está tudo bem e que podem sair de casa dessa forma, se expondo ao risco.
Após contrair a doença, quais os cuidados imediatos que a pessoa que saiu da quarentena deve tomar?
A transmissão desse vírus é, principalmente, por via aérea, ou seja, por gotículas e aerossóis que saem da nossa respiração, fala, tosse. A principal ferramenta de prevenção é a máscara. A ventilação também. Os ambientes precisam ser bem-ventilados, com janelas abertas, circuladores de ar, além do distanciamento social. É preciso evitar pessoas de mais de uma família imediata dentro de um ambiente fechado.
Quem já foi infectado está mais suscetível a outras doenças?
Existem pessoas que contraem a covid-19 e passam um bom tempo sofrendo os efeitos da doença. Ainda não vi nenhum trabalho mostrando claramente que ela fique mais suscetível a outras doenças. É possível, mas ainda não conhecemos o suficiente sobre o novo coronavírus, que começou há cerca de um ano apenas.
“Ninguém, em nenhuma idade, é imune. Todos precisam se isolar, com proteção respiratória, independentemente da idade”
Existe um padrão de tratamento pós-covid?
É importante ter o acompanhamento com o médico que fez o diagnóstico e o tratamento, justamente para dar assistência aos casos que têm efeitos prolongados da covid-19. Existem pessoas que vão ficar com problemas pulmonares e precisam de fisioterapia respiratória para poder recuperar a função pulmonar, por exemplo. A maioria não vai ter isso. Uma vez que o tempo de quarentena passou, elas podem voltar a ter uma vida saudável.
Temos observado o aumento de infecções entre crianças, adolescentes e jovens. Existe uma faixa etária de risco?
As pessoas mais jovens não são imunes a essa doença. No começo, muita gente falava que era só isolar os idosos e tudo ia se resolver. Essa situação trágica que estamos vivendo hoje é uma resposta clara a isso. Ninguém, em nenhuma idade, é imune. Todos precisam se isolar, com proteção respiratória, independentemente da idade.
Já temos respostas sobre o porquê desse aumento de casos em jovens?
Temos respostas possíveis, mas nenhuma comprovada. Pode ser que as novas variantes do vírus sejam capazes de causar doenças em pessoas mais jovens ou mesmo um reflexo do comportamento delas ao não usarem máscara adequadamente e não praticarem o distanciamento social adequado.
“Tanto para proteger a si mesmo quanto às outras pessoas em volta, quem já tomou a vacina, mesmo as duas doses, deve continuar usando máscara, álcool gel, praticando distanciamento social, evitando atividades em ambientes fechados e optando por ambientes abertos”
Quem já se vacinou está totalmente imune?
Existe uma vacina que está entrando no mercado que é de dose única. As outras são de duas doses. Os estudos mostram que a primeira dose é suficiente para gerar alguma produção de anticorpos, mas não tem nenhuma pesquisa mostrando que uma única dose é capaz de prevenir a doença. É diferente produzir anticorpos e estar protegido. Você precisa de uma quantidade bem grande para estar protegido. Existem registros bem claros de pessoas que tomaram uma dose da vacina, se contaminaram com o vírus e desenvolveram a doença.
Além de poder se reinfectar, a pessoa também pode transmitir?
Todas as vacinas têm uma determinada eficácia, ajudam muito a diminuir os casos graves, mas ainda não temos evidências suficientes para saber se a vacina previne a transmissão da doença, porque a pessoa pode se infectar com o vírus, não ficar doente, mas ainda sim ser capaz de passar o vírus para outra – além do risco de, mesmo vacinada, desenvolver a doença. Tanto para proteger a si mesmo quanto às outras [pessoas] em volta, quem já tomou a vacina, mesmo as duas doses, deve continuar usando máscara, álcool gel, praticando distanciamento social, evitando atividades em ambientes fechados e optando por ambientes abertos.
Assim como ocorre com outros vírus, o do Sars-CoV-2 — causador da covid-19 — tem sofrido diversas mutações. As vacinas que já foram produzidas podem se tornar ineficazes?
Quando o vírus sofre mutações, muita coisa pode mudar nele, mas já há uma série de trabalhos científicos mostrando que várias dessas vacinas são eficazes contra essas variantes, que anticorpos fármacos que estão em desenvolvimento nos Estados Unidos funcionam contra essas mutações. Elas têm causado um dano muito grande, mas não mudaram o suficiente para que todas essas ferramentas, que a gente desenvolveu ao longo de um ano, parem de funcionar completamente.
“Com o investimento do GDF, tivemos pesquisas que testaram novas terapias e estudos que mostraram perfis epidemiológicos. Isso ajuda o sistema de saúde”
O senhor e sua equipe estão desenvolvendo uma pesquisa sobre terapia com plasma. O que isso significa?
São duas partes distintas. Uma é com pacientes com covid-19 internados em hospitais. Tiramos o sangue de pessoas que sobreviveram à doença, que tem anticorpos, e usamos para tratar em outros. O que nós esperamos é que o plasma vá diminuir a proporção dos casos moderados que vão progredir para formas mais graves. Caso essa hipótese se confirme, esse tratamento pode ser muito importante, tanto para o paciente que recebe o plasma quanto para os sistemas de saúde, pois, se há menos pessoas precisando de ventiladores e vagas de UTI [Unidade de Terapia Intensiva], o sistema como um todo funciona melhor e consegue ajudar um número maior de pacientes. Esse ensaio clínico está em andamento no Hran [Hospital Regional da Asa Norte]. Agora, estamos avaliando as informações. Nessa parte do projeto, temos uma colaboração internacional com outros sete hospitais de cinco países diferentes para estudar o plasma de convalescentes. A segunda parte é um projeto de biotecnologia. Usamos as mesmas amostras desses doadores que tiveram a doença. Em vez de tirarmos o sangue e os anticorpos que eles produziram, pegamos as células do sangue, o material genético e usamos a engenharia genética para produzir esses anticorpos em grande quantidade, que são os mesmos que os ajudaram a se curarem da doença. É um trabalho para fabricar um anticorpo para produzir essas amostras de doadores. A pesquisa começou no ano passado. O estudo com plasma deve ter o primeiro resultado ao longo das próximas semanas. Já o trabalho com anticorpos, que é o desenvolvimento de uma nova droga, em geral, demora por volta de dez a 15 anos.
Qual a importância de investir nesse tipo de pesquisa?
A ciência é a principal ferramenta que a gente tem para sair dessa situação. Falo isso olhando para o passado e comparando com outras situações parecidas que a humanidade viveu. Hoje em dia, vivemos uma tragédia terrível, mas em outros momentos, antes de termos conhecimentos suficientes sobre como as doenças infecciosas são transmitidas, elas matavam uma fração muito maior de pessoas. Apesar de estarmos em uma situação em que milhares de pessoas estão morrendo por dia, caso a gente não tivesse todo esse conhecimento acumulado de séculos de ciência, estaríamos vendo mais pessoas morrerem.
Essa pandemia mata menos que pandemias antigas porque temos ciência. A covid 19 já nos mostrou o valor e a importância da ciência. Conseguimos desenvolver vacinas em um período muito curto, testar novas drogas e saber se elas funcionam ou não. Esse investimento em pesquisa é crucial para podermos resolver essa situação de uma forma bem ampla. Com o investimento do GDF, tivemos pesquisas que testaram novas terapias e estudos que mostraram perfis epidemiológicos. Isso ajuda o sistema de saúde a montar um sistema melhor. Os recursos de pesquisas foram e estão sendo cruciais para que o DF consiga responder aos desafios da pandemia.
Qual recado o senhor daria, hoje, para a população?
É importante pensarmos que estamos em um momento ruim. Estamos vivendo uma tragédia sanitária, que é o caso dessa pandemia, mas existe uma luz no fim do túnel. Estamos no meio de um pico, mas existem ferramentas para diminuir a reincidência da doença, do sofrimento causado por ela, desde que a gente leve as instruções de isolamento a sério, o uso de máscara, álcool gel; e quem puder, use as vacinas. As pessoas não devem perder a esperança. Estamos numa situação muito ruim, mas vai melhorar, se seguirmos as recomendações.
ANA LUIZA VINHOTE, DA AGÊNCIA BRASÍLIA | EDIÇÃO: CHICO NETO