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A nova travessia: como jovem refez os sonhos após atropelamento

Um dia normal, e ensolarado no centro de Brasília. Uma criança atravessando a rua para chegar à escola quando, de repente, tudo fica escuro. Rebecca Vergara, na época com 12 anos, não imaginava que naquela bela manhã de quarta-feira, em maio de 2011, uma boa parte da sua vida seria afetada por conta de um acidente. Ser atropelada por um carro em alta velocidade deixou um rastro de experiências que contribuíram para a sua caminhada em busca de uma nova vida, literalmente.

Na habitual missão de ir pegar um ônibus, Rebecca Vergara atravessou a rua fora da faixa de pedestres às pressas, se desequilibrou e caiu. O semáforo ainda brilhava verde para os carros quando ela sente a pancada na parte esquerda de sua cabeça. Aquela menina de cabelos castanhos e ondulados, com seus 12 anos chegou ao hospital praticamente sem vida e durante 30 dias ficou “fora de órbita”. O estado clínico de quase morte contabilizou 16 dias em coma natural e 14 dias em coma induzido.

O atropelamento da jovem, que hoje já tem 20 anos (e bastante certeza das coisas que quer na vida) aconteceu na altura da quadra 508 da Asa Norte, área central de Brasília, em uma das avenidas mais movimentadas, a W3. Tudo decorreu de um fato imprevisível e inevitável, um simples tropeço. Enquanto explica detalhes  sobre o acidente, ela vira um copo de cerveja e segura seu violão esperando a minha deixa para que ela volte a tocar. “Tive que fazer uma cirurgia complicada na cabeça. Tiraram uma parte do meu crânio pra colocar na parte de baixo da minha barriga e depois colocar de volta na minha cabeça com titanium”.

Quando Rebecca acordou do coma, veio o choque. Ela havia descoberto que estava tetraplégica. Ficou assim por um mês e meio, e paraplégica por mais dois, tempo que parece pouco, mas que durou uma eternidade para ela. Ali nesse momento, se deu conta de que sua vida havia começado novamente… É nessa parte da história que ela se tornou uma pessoa totalmente diferente. Renasceu. O processo de “auto reconstrução” foi lento e paciente, já que teve que aprender a fazer tudo de novo, como um bebê que acabara de nascer . Falar, andar, escrever e até mesmo pensar, se tornaram grandes desafios. Sob os cuidados do hospital Sarah Kubitschek, ela recebeu atendimento de pedagogos, fisioterapeutas, psicólogos e psiquiatras que a ajudaram em todo o processo de aceitar aquela condição e lutar com aquilo. E assim, depois dos seus três primeiros meses de tratamento intensivo, começou a notar os primeiros resultados positivos. Passou anos sob tratamentos psicológicos junto com o uso de Ritalina e Centralina, além da fisioterapia. Aos poucos, ela começou a mover braços e pernas novamente, e com isso, a esperança de voltar a ter uma vida normal.

Educada e bem-humorada, quem olha para Rebecca hoje em dia jamais imagina pelo que passou pois, apesar do seu passado, ela não apresenta traumas ou sequelas perceptíveis, apesar de tê-los. Por causa do impacto do atropelamento, sofreu um traumatismo intracraniano. Esse tipo de traumatismo é caracterizado pelo acúmulo de sangue no cérebro, que pode causar a perda da consciência, coma, paralisia e dificuldade em respirar. Algumas dessas consequências ainda estão presentes na vida da garota, “marcas” as quais ela lida até hoje. Têm algumas sequelas relacionadas à memória e à lógica por exemplo, além de não conseguir mexer os dedos do pé direito e não possui sensibilidade na perna esquerda. Apesar de tudo, ela já sabe conviver com isso. Atualmente (e depois de anos de luta), a jovem estudante de educação física consegue andar, mexer os braços, falar e viver normalmente.

Quando perguntei se ela sabia sobre a pessoa que a atropelou, ela não hesita em dizer “Sei sim. Prestou socorro, ofereceu ajuda na recuperação, até porque não foi culpa dele.”

 

Âncoras pessoais

Há dois semestres na faculdade, ela faz questão de dizer que o curso que escolheu tem tudo a ver com ela e com o que viveu. “Sempre gostei de educação física, sempre fui esportista, sempre joguei futsal, apesar de me interessar por todos os esportes. A educação física além de me ajudar, ajuda muitas pessoas que passaram pelo mesmo ou por coisas piores.”

Enquanto reparo nos alargadores e piercings de “Bequinha”, comumente chamada assim por seus amigos e familiares, ela solta que quer mudar de penteado. A garota que estudou em colégios considerados “rígidos” na adolescência, depois do acidente, hoje em dia não traz muito dessa seriedade para sua vida. Depois de sair do hospital e conseguir voltar à realidade, ela decidiu experienciar tudo que sempre teve vontade. Adora frequentar bares, andar de skate, viajar e usar as roupas que bem entender. Defende os direitos LGBT’s e em um de seus posts no Instagram dela afirma: “Nada me impede de ser livre”.

 

Novos tons

 

Apaixonada por música, geralmente não tem medo de tocar e soltar a voz por aí. Quem acompanha Rebecca nas redes sociais consegue apreciar seu talento. Vários vídeos de covers e de músicas autorais, além de fotos da menina sorridente que posa com o violão. Em um bar popular da Asa Norte, depois de me contar parte da sua história, ela vira sua cadeira de frente para a mesa vizinha à nossa, onde um grupo de jovens está cantarolando, e começa uma nova música… Malandragem, da Cássia Eller, uma de suas artistas favoritas. Dá para perceber, sem esforços, que para Bequinha, a música não é só uma ferramenta de prazer mas também de terapia. Toca violão há 14 anos, o que a ajudou muito na recuperação dos movimentos de seus braços e dedos. Além disso, a música também ofereceu ajuda psíquica, já que ela tem o poder de fazer nosso cérebro liberar a dopamina, hormônio que nos dá prazer.

Mariana, uma de suas amizades de longa data, relembra os tempos gloriosos de descobertas e experiências ao lado de Bequinha, e conta “Ela sempre foi a mesma pessoa, desde o primeiro dia que a conheci. É uma das pessoas mais fortes que conheço, por tudo que ela passou. Sempre admirei muito, tem um talento que não cabe nela e que precisa compartilhar com a gente. Além de amiga, sou fã.”

Apesar de todos os procedimentos longos que exigiram paciência de Rebecca e pessoas próximas a ela, por conta dos tratamentos demorados, exames mensais e anuais, e medicação, a garota que passou por momentos de desespero e angústia hoje adora a vida que vive, e agradece o apoio moral das pessoas que ama e dos profissionais que cuidaram de tudo isso. Sonha com uma vida tranquila, viagens e paixões.

Por Elisa Borges