São 4h da manhã em Águas Lindas. Maria da Conceição Leite, de 56 anos, não tem tempo de tomar o café antes de sair de casa na madrugada silenciosa pelas ruas da cidade. Ela não pode perder o ônibus que passa às 4h20. Se perder, ficará pelo menos mais 15 minutos esperando. Uma diferença de tempo que vai representar chegar no horário ou atrasada no serviço, na Esplanada dos Ministérios. Ela precisa chegar às 7h no serviço.
Histórias como a de Maria não são raras na cidade que fica a 36 km da capital federal. O trânsito parado é um pesadelo para essas trabalhadoras. Mas outra dor de cabeça é a falta de segurança no percurso até o ponto. Andam em média um quilômetro até o terminal rodoviário improvisado. Elas aguardam em pé em uma fila o ônibus para ir ao trabalho. Sem segurança para esperar o transporte nas paradas também improvisadas perto de casa, as mulheres vão acompanhadas de homens ao terminal por medo da violência.
Dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), coletados nos anos de 2017 e 2018, mostram que somente 38% dos residentes de Águas Lindas trabalham em sua localidade, 61% da população trabalha fora do município. Brasília (DF) é o lugar de destino para 38,58%. Desses trabalhadores, 50,64% faz uso do transporte público para chegar em seus serviços. .
Maria da Conceição Leite de Oliveira, de 56 anos, trabalha desde 2010 na equipe de limpeza do atual Ministério da Economia. Maria conta somente com seu salário para sustentar seus filhos gêmeos de 17 anos. Ela é viúva há 9 anos também e não recebe nenhum auxilio. A trabalhadora fica no expediente das 8h às 17h, de segunda a sexta e para chegar no horário o dia começa bem cedo.
“Se eu ficar na parada que é pertinho de casa, corro o risco de ser assaltada. É melhor ir até lá porque sempre tem gente indo. Vou acompanhada e também sentada no ônibus”, diz Maria. Ela pega carona com a vizinha que, por medo da violência, é levada de carro todos os dias para o terminal improvisado.
A parada de ônibus, que também é uma improvisação, fica a 220 metros de sua casa. Ela lamenta que, ao esperar o transporte, já sofreu duas tentativas de assalto e um foi consumado. “Certa vez, um homem me mostrou a faca e levou minha bolsa e tudo (o que tinha)”. Não deu tempo de prestar queixa. “Eu só voltei em casa para pegar dinheiro da passagem do ônibus, porque tinha que ir trabalhar.”
A insegurança não é o único motivo para Maria se deslocar até o terminal improvisado. A superlotação do transporte faz com que ela espere em uma fila em uma área descampada de pouca iluminação, chão de terra, nenhum abrigo contra chuva e, em alguns casos, embaixo da marquise do comércio local, sem qualquer tipo de segurança. Ela não considera perigoso o terminal porque outras pessoas estão por lá.
VIZINHAS
Ivanilde Maria Dos Anjos, 53 anos, trabalha na Asa Norte, em Brasília, como empregada doméstica. Acorda às 4h da manhã assim como Maria e vai pegar o ônibus às 5h para conseguir chegar a tempo no trabalho. Sua viagem até o serviço é de, em média, uma hora e vinte minutos de duração. “Se não tiver engarrafamento, chego no serviço às 7h20”, disse Ivanilde. Ela trabalha há 30 anos e nesse tempo nunca no município de Águas Lindas. “Venho aqui só para dormir, sou visita na minha própria casa”, lamenta Ivanilde.
Ao contrário de Maria, sua vizinha, Vanda como é conhecida, espera o ônibus na parada de sua casa e relata muito perigo de manhã, mesmo a parada sendo localizada a pouco metros de sua residência “ Eu acompanho amigos, vizinhos… Ir para a parada sozinha… não vou mais, depois que uma mulher me ameaçou com a faca para me assaltar, nunca mais vou só”. Ivanilde estava sozinha na parada.
Ivanilde recorda que já chegou em casa às 21h por causa do engarrafamento. “Peguei o ônibus quatro horas da tarde na Asa Norte e cheguei em casa às nove horas da noite, por causa de engarrafamento… E eu não venho sentada não, isso tudo é em pé”. O engarrafamento não é seu único inimigo. Se perder o horário do ônibus para voltar para casa, tem que esperar de 20 a 50 minutos para pegar o próximo e descer bem longe de sua casa.
Transporte
A cidade de Águas Lindas tem 92 bairros, e as rotas de ônibus se dividem entre eles para atender a toda a população. Duas empresas são responsáveis pelo transporte público no município, A UTB (União Transporte Brasília) ea Taguatur. As duas realizam rotas diferentes, enquanto a Taguatur faz viagens pelas cidades satélites como: Taguatinga e Ceilândia; a UTB atua no transporte para Brasília e arreadores como: W3, Asa Norte, Rodoviária do Plano Piloto e etc. Os coletivos rodam o dia inteiro durante a semana nos horários de: 4h20 da manhã e vai até às 22h20. Finais de semana e feriado, os ônibus rodam com menos frota e em horários mais reduzidos.
A UTB atua com frota de 96 carros que saem de 15 em 15 minutos da cidade. Para cumprir com o trajeto até os destinos finais, segundo Nilson Batista, gerente operacional da empresa UTB há 5 anos no município de Águas Lindas. A empresa usa terminais improvisados espalhados pela cidade toda, que são locais públicos e de grande movimento. O gerente da empresa UTB, comenta que há 3 anos faz os pedidos para um terminal apropriado, mas a prefeitura e a secretaria de transporte nunca o atendem. A insegurança dos terminais improvisados não o preocupa pois segundo ele, os assaltos ocorrem durante o percurso que o ônibus realiza, e não nos pontos de paradas.
A Taguatur contem frota de 205 ônibus, de mesmo modo operante que a UTB, a saída dos carros ocorrem de 15 em 15 minutos: “Já existe pedido para uma rodoviária e para se definir um ponto oficial de viajem, temos documentos encaminhados tanto para ANTT quanto para a prefeitura do município”. Diz a assessoria de impressa.
Mesmo as empresas relatando que o número de frota atende perfeitamente a população, os usuários andam muito até chegar em um ponto ou parada, e muitas vezes pegam os ônibus lotados. Há poucas paradas que não sejam improvisadas, e as finalizadas ficam em maioria na beira da BR-070. A assessoria de imprensa da Prefeitura de Águas Lindas não explicou por que não há terminal de ônibus na cidade e vigilância policial para os horários de maior pico nas paradas.
Em 2019, o site oficial da prefeitura da cidade publicou um comunicado que declara a compra de 45 novos ônibus para a rodar na cidade. A noticia especifica que o prefeito da cidade teria feito a solicitação e foi atendido. Mas a população ainda reclama da superlotação dos ônibus nos horários de pico.
Por Ana Paula Marques (Agência UniCEUB / Jornal de Brasília)
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira