Assim como L.B., crianças são vítimas de violência física ou psicológica dentro e fora do ambiente escolar. Segundo a ONU, 43% das crianças e jovens brasileiros já sofreram bullying e, de acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), um em cada dez estudantes é vítima de bullying no Brasil. A pesquisa também revela que casos de ansiedade e depressão podem estar relacionados aos ataques, afetando a autoestima e agravando o quadro da doença. Na escola, L.B. não parava de chorar. Em casa, estava sempre extremamente irritado, não se concentrava mais nos deveres, chorava muito e até parou de fazer o que mais ama: desenhar. Foi assim que Indira, a mãe, descreveu o comportamento do filho.
Atualmente, ela considera o ambiente escolar vulnerável para as crianças. “A escola é um local que, hoje em dia, infelizmente, possui um conglomerado de pessoas e /crianças ‘”doentes’”, que não respeitam o próximo, que tem a falsa ideia que podem fazer qualquer coisa que não existirá punição para os seus atos. Vivem sem respeitar pai e mãe, sem respeitar os professores. As crianças hoje se acham donas da verdade. As famílias vivem a ditadura dos filhos”, desabafou. “Evidentemente, há as exceções, mas que a cada dia estão mais escassas”, enfatizou.
A psicóloga da infância Juliana Barbosa acredita que o problema está na sociedade, e não nas escolas. “Considero que a nossa sociedade, preconceituosa e com tão pouca empatia pelo outro, é muito mais vulnerável para as crianças do que o ambiente escolar. Percebo que as escolas têm se esforçado para transmitir valores como respeito e amizade aos seus alunos, mas é preciso que nós, aqui do lado de fora, também pensemos sobre os exemplos que temos dado às nossas crianças, mesmo que não sejam nossos filhos.”
Desespero
Em abril de 2017, aos 8 anos de idade, o recém-alfabetizado LB usou tudo que aprendeu para escrever uma carta de suicídio, um momento desesperador para a mãe da criança. Indira se viu obrigada a mudar o filho de escola, sobretudo diante da posição de descaso da instituição. “Quando mostrei a carta de suicídio à coordenadora, ela me perguntou se ele não estava me manipulando. Eles não se preocupam com as crianças”, afirmou.
O suicídio é umas das três principais causas de morte entre pessoas de 15 a 44 anos e a segunda entre pessoas com dez a 24, de acordo com a OMS. O suicídio já é considerado um problema de saúde pública e, quando relacionado ao bullying, faz das agressões um caso de saúde pública também.
A instituição de ensino nega a existência de bullying dentro das suas instalações e, segundo a mãe de LB, “prefere jogar todos os problemas para debaixo do tapete”. Ele ressalta que não registrou boletim de ocorrência e ainda houve uma tentativa de diálogo com a escola. O advogado da família foi acionado e orientou que os casos de “bullying” são considerados como “coação e constrangimento de incapaz”. Ela afirma que somente depois de a família levar a orientação do advogado para a instituição, houve uma tentativa de trabalhar ações a fim de coibir o ocorrido.
A psicóloga Juliana Barbosa não acredita que a simples mudança de escola seja capaz de solucionar o problema. Para ela, “a violência e o desrespeito pelas diferenças está presente nas escolas, nos parquinhos, dentro de casa e na nossa sociedade como um todo. Dessa forma, mudar de escola pode ser uma solução momentânea”, defende. Mas garante que se a escola não tiver a iniciativa de pensar em alternativas para a mudança de comportamento violento na escola, a família precisa repensar se aquele ambiente está favorável para o desenvolvimento da criança.
Um estudo da ONU feito em 2016 apontou que tanto as vítimas como os perpetuadores desse tipo de violência na infância sofrem em termos de desenvolvimento pessoal, educação e saúde, com efeitos negativos persistindo na vida adulta. “Quando as crianças são afetadas pelo bullying, não conseguem tirar vantagens das oportunidades de desenvolvimento aberta a elas nas comunidades e escolas nas quais vivem”, afirmou o relatório.
A família buscou ajuda psicológica para a criança. O tratamento foi feito por uma psicanalista que trata com homeopatia.O intuito é tratar as dores da alma, por causa dos acontecimentos. Para Indira, o processo de acompanhamento foi fundamental para ele melhorar a autoimagem, a autoestima e entender que o problema está no outro e não nele.
Juliana Barbosa diz que a procura por uma demanda específica como o bullying é rara, que na maioria dos casos só é diagnosticado ao longo das consultas. “O que mais costuma acontecer é a criança chegar por indicação da escola, por apresentar comportamentos inadequados com os colegas, ou por estarem se sentindo mais tristes, com baixa autoestima e sem vontade de ir ao colégio. Após analisarmos o que está acontecendo, em alguns casos, descobrimos que a criança está sofrendo e/ou praticando bullying.”
Os pais não devem hesitar em buscar ajuda de profissionais da área de saúde mental, para que seus filhos possam superar traumas e transtornos psíquicos.
Legislação
Contatada para falar sobre o caso, a escola particular não respondeu aos e-mails da reportagem, mas, aparentemente, não está atenta às leis.
Em vigor desde 2016, a Lei nº 13.185 classifica o bullyingcomo intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros.
A lei tem como objetivo prevenir a prática do bullying, implementar ações de discussão e prevenção nas escolas, campanhas de educação,conscientização e informação, ajudar os familiares e responsáveis, dar assistência psicológica e social às vítimas e agressores e promover a cidadania. A lei também apropria ao estabelecimento de ensino a responsabilidade de prevenir e combater a violência e intimidação.
Em maio de 2018 foi sancionada uma nova lei de combate ao bullying, uma atualização da Lei 9.394, de 1996. A nova legislação atribuiu mais responsabilidade às instituições de ensino em promover medidas de combate ao bullying, além de pensar em ações de promoção da cultura de paz.
Informações publicadas do rudimento Bullying: Cartilha 2010 – Projeto Justiça nas Escolas, de Ana Beatriz Barbosa Silva, diz que a escola é corresponsável pelos casos de agressão, pois é o local onde os comportamentos agressivos e transgressores se evidenciam ou se agravam na maioria das vezes. “A direção da escola deve acionar os pais, os Conselhos Tutelares, os órgãos de proteção à criança e ao adolescente etc. Caso não o faça, poderá ser responsabilizada por omissão”, orienta. “Em situações que envolvam atos infracionais (ou ilícitos) a escola também tem o dever de fazer a ocorrência policial. Dessa forma, os fatos podem ser devidamente apurados pelas autoridades competentes e os culpados responsabilizados. Tais procedimentos evitam a impunidade e inibem o crescimento da violência e da criminalidade entre crianças e adolescentes”.
O professor e advogado, Luis Eduardo Alejarra, explica quais medidas judiciais podem ser tomadas contra a instituição de ensino ou contra o agressor. “A escola tem o dever de monitorar isso, então, uma vez que a escola for omissa, não é em qualquer situação que a escola vai ser culpada, mas se a gente conseguir provar a omissão da escola em uma prática reiterada, que a escola já estava ciente e continuava permitindo, ai podemos responsabilizá-la civilmente. Então poderia entrar com uma indenizatória contra a escola por danos morais, por exemplo, contra o sofrimento que o filho teve durante o período que estava na instituição”, explicou o advogado. A mesma medida pode ser tomada contra o agressor, buscando uma reparação financeira.
Pode-se também recorrer a medidas penais, através de um boletim de ocorrência ou administrativa, entrando em contato com o Conselho Tutelar ou Ministério Público. Uma vez lavrado o boletim de ocorrência, eles ingressam com uma ação penal contra o agressor, em que a parte tem direito de monitorar e acompanhar a ação de perto.
Diálogo
O diálogo com os alunos e entre os mesmos é muito importante e necessário. É relevante que eles falem, ouçam e sejam ouvidos, que deem sugestões, opiniões e até mesmo reclamações. É o que diz a orientadora educacional, Carla Cristina Reis. Para ela, o início do planejamento para a prevenção da prática deve ser dado após a conversa com os alunos.
Para evitar casos de bullying, a instituição em que Carla trabalha promove a semana de prevenção ao Bullying, que conta com a participação de órgãos competentes para dar palestras aos alunos. “Informamos a todos, sinalizamos tais ações e atitudes a serem tomadas. Caso tenha alguma coisa dessa natureza, os alunos são encaminhados ao serviço de orientação educacional ”, explicou a orientadora.
A orientação que Juliana Barbosa passa para os pais é que fiquem mais atentos aos sentimentos dos seus filhos e ao que eles estão tentando comunicar através de uma agressividade ou tristeza repentina. Para ela, os resultados positivos surgem muito mais rápido quando o psicólogo, a criança, a família e a escola trabalham juntos.
Reflexos
Segundo a psicóloga Juliana, não tem como prever, exatamente, o que o bullying pode causar na vida da criança.
- Algumas podem entender que, por terem sofrido bullying, têm o direito de agir da mesma forma com o seu agressor ou com outras crianças;
- Outras podem se tornar mais retraídas, tímidas e com dificuldades para se relacionar na escola;
- Existem aquelas que conseguem, a longo prazo, construir novos sentidos para o sofrimento pelo qual passou e se tornar muito mais segura de suas qualidades e do seu direito de ser respeitada pelo que é.
Quando criança, Leticia de Moura, estudante de 20 anos, sofreu bullying, mas chegou a confundir com “pequenas brincadeiras”. Brincadeiras essas que eram capazes de magoá-la e colocá-la para baixo. Para a jovem, o que mais marcou a sua infância foi a falta de aceitação com a aparência e o próprio corpo. “Sempre fui acima do peso quando criança, então foi algo muito marcante na minha infância e pré-adolescência, essa falta de aceitação com a minha aparência por ouvir muito dos outros que ela não era boa”, desabafou.
Letícia só foi perceber o quanto o bullying a afetou aos 16 anos, época em que começou a fazer dietas extremas para perder peso, mesmo estando saudável. “Até hoje perda de peso nunca é o bastante pra mim”, disse ela.
A estudante admite que, para deixar de ser o foco dos julgamentos na época, apontava outras crianças por defesa. Para ela, sofrer bullying refletiu na forma de praticar bullying também. “Foi um processo cíclico na verdade. Eu achava que ia me sentir menos pior se apontasse o erro alheio sempre que apontavam o meu.”
Marcelo Queiroz sofreu bullying dos 10 aos 14 anos. Na época chegou a passar por diversas escolas, mas segundo ele, nenhuma ficou sabendo das agressões. A família também não sabia. O motivo? Quase não se falava em bullying nas escolas.
A cartilha de bullying do Projeto Justiça na Escolas diz que raramente as vítimas pedem ajuda às autoridades escolares ou aos pais. Agem assim, pois acreditam que essa postura é capaz de evitar possíveis retaliações dos agressores e por acreditarem que, ao sofrerem sozinhas e caladas, pouparão seus pais da decepção de serem frágeis, covardes e não populares na escola.
“ Eu sentia medo dos alunos, porque além das agressões morais chegavam ao ponto de serem físicas, com tapas e pontapés. Meu posicionamento era sempre de ficar recolhido, em meio aos amigos de escola”, lembra.
Hoje, com 22 anos e formado em direito, garante que, por incrível que pareça, o bullying o ajudou a perder a timidez através de sua própria história, porque com ela faz amigos e ganhou muita ajuda.
Segundo psicóloga, mais importante que entender as possíveis consequências do bullying, é entender a origem das suas causas e o que pode ser feito para que ele não aconteça, além de valorizar o que a criança tem a nos dizer, apesar de sua pouca idade.
Telefones Úteis
Centro de Defesa dos Direitos da Criança: 3340 9540
SOS Criança: 156 opção 6
Disque Violência: 3322 2266
Juizado da Infância e da Juventude: 3103 3303
Delegacia da Criança e do Adolescente: 3307 7400
Vara da Infância e da Juventude: 3109 3200
Promotoria da Infância e da Juventude: 3348 9000
Defensoria da Infância e da Juventude: 3348 6793
Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF: 3905 1252 / 3905 1353
Por Ana Carolina Bianchini
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira