Após o primeiro turno das eleições de 2022, o Distrito Federal conheceu os oito deputados que irão representar a unidade da federação na Câmara Federal pelos próximos quatro anos. Entre caras novas e parlamentares reeleitos, os três mais votados foram Bia Kicis (PL) com 214.733 votos, Fred Linhares (REPUBLICANOS) com 165.358 votos, e Erika Kokay(PT), com 146.092 votos. Tanto Kicis quanto Kokay cumprirão seu segundo mandato.
Os três parlamentares possuem duas características em comum. A primeira, é que foram os únicos deputados do Distrito Federal a serem eleitos pelo quociente eleitoral, ou seja, obtiveram votos suficientes individualmente para conquistar uma cadeira. A segunda característica é sobre a porcentagem de seus votos. Os três figuram entre os 10 deputados federais mais votados proporcionalmente no Brasil inteiro. Kicis é a terceira da lista com 13,26%, enquanto Linhares é o sexto com 10,26%, e Kokay é a oitava com 9,06%. O primeiro da lista foi Amom Mandel (CIDADANIA-AM), com 14,49% dos votos do Amazonas.
Em 2022 foram computados 1.607.519 votos válidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a eleição de deputados federais. Somando os votos dos três federais em destaque, eles obtiveram juntos 32,58% dos votos para deputado federal, sendo que, ao todo, 206 candidaturas para o cargo foram registradas no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF). Em resumo, três deputados federais somaram (Kicis, Linhares, Kokay) quase um terço dos votos válidos no DF, e suas porcentagens individuais desse eleitorado estão entre as dez maiores do país.
Portanto, se os eleitores tiveram uma proporção a nível nacional, o perfil desse eleitorado é relevante na mesma proporção, o que despertou a curiosidade de cruzar dados para a redação desta reportagem. Afinal, por mais que não estejam entre os mais votados, no país, em números absolutos, são as três vozes principais do Distrito Federal na Câmara dos Deputados. Portanto, o perfil desses eleitores possui uma expressão não só dentro do DF, mas a nível nacional.
IDH mais alto, votos em Kicis e Kokay. IDH mais baixo, votos em Linhares
Ao separarmos os votos de cada deputado por Região administrativa, fica claro que Kicis e Kokay possuem uma tendência oposta a de Linhares. As deputadas apresentam mais votos à medida que o IDH das RA’s aumenta. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um índice que mede nível de escolaridade, expectativa de vida e renda per capita.
Imagem: Érika Kokay(PT) e Bia Kicis(PL). Reprodução: Partido dos Trabalhadores e Câmara dos Deputados. Arte: Vinícius Pinelli
Dessa forma, regiões administrativas mais desenvolvidas, em que os habitantes possuem maiores oportunidades de acesso à educação, saúde e serviços de maior qualidade e maior custo financeiro, tendem a votar mais nas candidatas do PT e do PL. Isso pode ser visto quando a RA em que ambas obtiveram a maioria de seus votos foi o Plano Piloto, com 20.812 e 31.797 votos, respectivamente. A RA Plano Piloto, a primeira criada no DF, tem um IDH de 0,952, na edição de 2010. Este IDH é o quarto maior do Distrito Federal.
Arte: Vinícius Pinelli
A tendência de Linhares é oposta. Ele tem mais votos quanto menor o IDH da região administrativa. Sua base se concentra na Ceilândia, com 27.376 votos. Seu poder de penetração é o menor entre as regiões mais desenvolvidas, porém se sobressai nas regiões de mais baixa renda. Entre os três candidatos analisados, Linhares possui as maiores porcentagens do eleitorado em oito das dez regiões administrativas de menor IDH. A cidade mais populosa do DF, Ceilândia, tem o oitavo pior IDH, com 0,747 dentre todas as 33 regiões administrativas.
Perfil de renda do DF confirma tendência de votos pelo IDH
A análise somente pela renda confirma o padrão das linhas de tendência por IDH, e revela outras informações importantes. O critério usado para dividir as RAs foi o mesmo da PDAD (Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios) edição 2018, a mais atual. Nela, as regiões administrativas do DF são divididas em quatro grupos: renda alta, média-alta, média-baixa e baixa. Kicis e Kokay possuem a maioria de seu eleitorado na mesma categoria, a média-alta, e possuem porcentagem parecidas nas regiões de renda alta. Já Linhares concentra mais da metade de seus eleitores no grupo de regiões de média-baixa, e é superior às duas deputadas na renda baixa, como mostra o gráfico abaixo.
Arte: Vinícius Pinelli. Fonte: Base de dados do TSE
O que chama a atenção é que Fred Linhares e Bia Kicis são candidatos de extrema-direita, que possuem propostas e agendas semelhantes, como a redução da maioridade penal e a manutenção das escolas cívico-militares, mas que possuem um eleitorado com características econômicas diferentes. O discurso é parecido, mas a penetração eleitoral dentre as regiões administrativas é totalmente oposta.
Imagem: Bia Kicis(PL) e Fred Linhares(REPUBLICANOS). Reprodução: Conjur e Blog do Eldo Gomes. Arte: Vinícius Pinelli
Além de examinar a tendência de votos por renda e por IDH dos três deputados federais eleitos, é possível examinar também as despesas.
Com as receitas e despesas dos candidatos já publicadas no TSE, é possível dimensionar os gastos de campanha, bem como calcular o custo de cada voto obtido.
A receita de Erika Kokay foi de R$2.628.735,63, e o custo total de sua campanha foi de R$2.680.072,49. Sua relação custo sobre voto é de R$18,33. Fred Linhares arrecadou R$604.470,01, e teve despesas de R$575.660,00. Apesar de ter obtido menos recursos financeiros, foi o único a utilizar o fundo partidário, extraindo R$75.000,00. Sua relação custo sobre voto é de R$3,48. Por fim, Bia Kicis arrecadou R$2.127.425,09, e gastou R$2.032.531,44. Sua relação é de R$9,46. Ou seja, Kokay arrecadou mais fundos, porém recebeu menos votos que os outros dois, fazendo de seus votos os mais caros dos analisados. Linhares teve o voto mais barato e foi o segundo mais votado, enquanto o voto de Kicis, que foi a mais votada, custou três vezes mais que o voto em Linhares e metade do voto em Kokay.
O sucesso dos três não se resume somente aos custos de campanha, mas à forma como os próprios deputados apresentam sua imagem ao eleitorado, bem como sua presença no cotidiano.
Por exemplo, no horário eleitoral gratuito, o que Kicis ressalta logo no início de sua propaganda é que ela era a deputada do Bolsonaro no DF. Só essa menção pode ter sido o bastante para conquistar o voto de quem simpatizava com o candidato à presidência. Além desse slogan de campanha veiculado em televisão, rádio e redes sociais, que já consegue abranger seu eleitorado, sua passagem pela presidência da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), e o fato de estar sendo investigada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por disseminação de fake news, mantiveram seu nome na mente dos eleitores.
Imagem: Bia Kicis. Reprodução: Agência Pública
O que é possível dizer é que o eleitorado brasiliense em sua maioria é de direita, mas a respeito dos representantes na Câmara dos Deputados, outras características se destacam. Com uma penetração em lugares de renda mais alta, Bia Kicis focou sua campanha justamente nessas regiões, contando com o fato de ter vínculo com Bolsonaro para conquistar votos de seus simpatizantes que não necessariamente possuem renda mais alta. Fred Linhares surge como deputado de direita que se popularizou em locais de renda mais baixa. Pode-se afirmar que o perfil de seu eleitorado é conservador, mas com a diferença de que o de Linhares não possui renda nem acesso à serviços de maior qualidade, enquanto o de Bia Kicis não só possui esses benefícios, mas também é Bolsonarista, logo simpatiza com seu discurso extremista. Vale lembrar que o eleitor tem familiaridade com Linhares pois ele apresentou o programa Cidade Alerta, da Record TV.
O eleitorado de Érika Kokay tem uma linha mais constante. A tendência de possuir mais votos quanto maior o IDH se repete como o de Kicis, porém a curva não é tão acentuada. O eleitor da deputada petista é de esquerda e consegue usufruir de serviços de qualidade, porém a diferença desse acesso não é tão gritante como no caso de Kicis. Além disso, sendo uma deputada de esquerda, seu eleitor não simpatiza com as propostas extremistas do governo Bolsonaro.
Como esta reportagem foi realizada?
O primeiro passo foi baixar a base de dados do pleito de 2022 no próprio site do TSE. Durante a produção da reportagem, foi decidido que os votos seriam divididos por RA’s, pois do ponto de vista econômico, é mais coerente do que usar as zonas eleitorais, pois estas agrupam regiões com rendas e IDHs muito distintos, o que poderia distorcer os resultados. Com a ajuda do cientista de dados Marcelo Pedrosa (52), os votos foram reorganizados e extraídos da base utilizando o programa R. Depois calculamos as proporções por RA e inserimos na tabela. Para a renda, foi utilizada a PDAD (Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios) de 2018 para determinar os agrupamentos das RAs por renda. Com as Regiões Administrativas do DF organizadas, foi possível inserir os dados da base do TSE e calcular a porcentagem dessa forma.
Por Vinícius Pinelli
Supervisão de Mônica Prado
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