Esta quinta (14 de novembro), Dia Nacional da Alfabetização, é uma data para refletir sobre um dos principais problemas educacionais brasileiros. No caso do Distrito Federal, o número é abaixo (2,5%) da média brasileira (6,8%). De toda forma, a capital conta com um número de 60 mil analfabetos (o equivalente a quase um estádio Mané Garrincha lotado). Os dados são da Companhia de Planejamento (Codeplan) divulgados em 2017. As cidades que apresentaram maior número foram o Paranoá (5,2%), seguida por Brazlândia (4,7%) e Ceilândia e Santa Maria (4,5%). Por outro lado, as regiões com as menores taxas foram o Plano Piloto e Lago Sul (0,2%), SIA (0,1%) e por fim o Sudoeste que não apresentou analfabetos.
Além da situação de periferia, o recorte de gênero mostra, segundo o Mapa do Analfabetismo, que mulheres também são excluídas e afastadas da sala de aula. “Foi por volta dos 10\11 anos. Foi nessa fase que aprendi a ler e escrever, e foi algo muito importante pra mim”, relembra a auxiliar de serviços gerais, Raimunda Feitosa de 55 anos, moradora de Brasília. A história de exclusão das letras é secular e vem da época do Brasil Colônia, explicam pesquisadores entrevistados. “Como eu era do interior do Nordeste eu entrei tarde na escola.
“Mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família, saiba pouco ou saiba nada”. Esse é o versinho utilizado tanto pelos portugueses como pelos brasileiros para se referirem às mulheres no período Colonial. Nessa época, entre os séculos XVI e XIX, o sexo feminino fazia parte do imbecilitus sexus, ou sexo imbecil. Uma característica a qual pertenciam mulheres, crianças e doentes mentais. Essa afirmação é da autora Arilda Ines Miranda Ribeiro, presente em seu texto “A arte da Sedução: sexualidade feminina na colônia”. Existia também, um “abecedário moral”, em que cada letra representava o padrão de comportamento socialmente desejado, dedicado às mulheres que pretendiam aprender a ler. “A letra A significativa que a mulher deveria ser amiga de sua casa, H humilde a seu marido, M mansa, Q quieta, R regrada, S sizuda, entre outros”.
A historiadora Ordália Araújo explica que, na história brasileira, o marco da inserção da mulher na educação aconteceu em meados do século 19, com a vinda da família real para o país. “No século 18, a política pombalina tentou uma inserção da mulher na instrução, na educação. Mas essas mudanças foram muito limitadas, as mudanças específicas mesmo, mais contundentes, elas vão ocorrer no início do século 19, com a vinda da família real para esse território”.
Com Pombal, oficialmente, as mulheres enfim tiveram permissão para frequentar salas de aula, mas estas eram separadas por sexo. Com a vinda da família real portuguesa, em 1808, a educação feminina continuou a mesma. A preocupação principal era de que as mulheres soubessem cuidar do lar e pudessem aparecer em público sem causar vergonha ao marido ou aos pais.
A Constituição de 1824, a primeira do Brasil, tinha como proposta o ensino primário gratuito extensivo a “todos” os cidadãos, embora sem considerar negros e indígenas. Porém, a primeira legislação específica sobre o ensino primário foi a lei de 15 de outubro de 1827, a “Lei Geral”, que marcou a criação de escolas de primeiras letras no país. A lei tratou dos mais diversos assuntos, entre eles as escolas para meninas. As mulheres, no entanto, seguiram discriminadas, sem ter acesso a todas as matérias ensinadas aos meninos, principalmente matérias como geometria, consideradas mais “racionais”. Elas deviam dar prioridades a conteúdos como “artes do lar”, e além disso, eram desobrigadas de cursarem o ensino secundário, cuja função era preparar os homens para o ensino superior.
Entretanto, muito antes, em 1561, já havia existido a primeira mulher (e primeira indígena) que aprendeu a ler e escrever. A reivindicação partiu de um indígena que pediu ao padre Manoel de Nóbrega que ensinasse sua mulher. Autores afirmam ter encontrado registros de que Catarina Paraguassu, também conhecida como Madalena Caramuru, teria feito uma carta de próprio punho ao padre. “Ela escreve uma carta a Manoel de Nóbrega pedindo o fim dos maus tratos às crianças e os estudos para as mulheres. Na visão indígena eles não conseguiam entender porque havia essa diferenciação. Como os jesuítas tinham interesse em evangelizar os indígenas, eles entram em contato com a coroa portuguesa e apresentam o pedido para a Catarina de Bragança. O pedido foi considerado um projeto muito ousado e não foi adiante”, disse a historiadora.
A historiadora também conta que, o perfil das primeiras mulheres a terem acesso a educação era o perfil moldado pela sociedade patriarcal. “Eram mulheres que tinham sido preparadas para cuidar do lar, que aprendiam a bordar, costurar e cuidar da família. As escravas, por exemplo, eram ensinadas para melhor servir os lugares que elas trabalhavam. Geralmente, as que primeiro tiveram acesso à educação estavam mais relacionadas a elite ou mulheres que tinham acesso à essa classe” explica. Ordália Araújo ainda atenta que, antes da reforma pombalina, antes de 1759, a educação que essas mulheres tinham era a disponibilizada pelos conventos da época. As mulheres enviadas para esses lugares eram as únicas que conseguiam fugir do analfabetismo.“Aí era uma educação voltada para que a mulher não causasse vexame aos seus pais e maridos em ambientes públicos e, também, no sentido religioso, para serem boas cristãs” completou.
O ingresso nos cursos superiores foi mais uma luta enfrentada pelas mulheres. Apenas em 1879, o governo imperial permitiu, condicionalmente, a entrada feminina nas faculdades. As candidatas solteiras deveriam apresentar licença de seus pais; já as casadas, o consentimento por escrito de seus maridos.
Por Mayra Christie e Geovanna Bispo
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira