“Estávamos eu, minha irmã e outro amigo homossexual caminhando pelo canteiro central em Ceilândia Norte quando sofremos ataques verbais”. Esse é o desabafo de Samuel Silva, 21 anos. O estudante de arquitetura se tornou vítima da intolerância no início de outubro quando usava um adesivo de um candidato à presidência com as cores da bandeira LGBTI. O preconceito ocorreu um dia antes do primeiro turno das eleições 2018, em 7 de outubro.
Samuel é uma das 88 pessoas que sofreram ataques verbais e contra a integridade física por ódio eleitoral. O dado faz parte de um levantamento feito desde 15 de agosto, pela Agência de Jornalismo Investigativo Pública, em parceria com a Open Knowledge Brasil.
No caso do estudante de arquitetura, o motorista agressor chegou a parar o carro, desceu do veículo e seguiu o grupo. “Ele foi direto para cima da minha irmã a xingando, porque ela revidou o ataque. Ele logo saiu, voltou para o carro, mas, ao passar por mim, me golpeou no braço direito. Entrou no veículo e saiu em alta velocidade”, conta Samuel.
Ele relembra que cerca de 10 pessoas presenciaram as agressões. “Depois disso a gente seguiu nosso caminho e eu só tenho um pouco de medo de encontrar o sujeito novamente, já que o ocorrido se deu a menos de um quilômetro da minha casa”, relata Samuel.
As principais vítimas têm sido mulheres, negros, comunidade LGBTI e profissionais da comunicação. Diante de relatos e denúncias de agressões, os sites Mapa da Violência e Vítimas da Intolerância surgiram com a iniciativa de registrar diariamente os casos relacionados à violência em contexto político no país.
Discursos de ódio
Outra vítima, a qual preferiu não se identificar, é nascida em Maceió (AL) e atualmente cursa direito em uma faculdade particular em Brasília. Ela relata a dificuldade que os nordestinos encontram quando saem de sua região devido ao preconceito sofrido.
A menina de 20 anos conta que estava na aula quando um grupo que apoiava determinado candidato e que eram filhos de militares conversavam sobre política. Segundo ela, uma pessoa gritou: “nordestino é tudo burro”.
“O mais incrível é que tivemos uma aula de história cujo tema era diversidade cultural. Sou a única nordestina naquela sala e não está sendo fácil conviver com pessoas aqui em Brasília”, destaca.
Para o cientista político e professor de direito, Edvaldo Fernandes, os debates públicos vistos nas eleições deste ano foram pautados pelos discursos de ódio que transitam livremente pelas redes sociais “Discursos de ódio foram gestados na internet, já que muitas pessoas se apresentam com a própria imagem distorcida e descarregam suas frustrações umas nas outras”, analisa Edvaldo.
O cientista político ainda ressalta a importância do diálogo, especialmente em campanhas eleitorais.“O diálogo é o insumo básico para a construção da política. E sua completude só se realiza em relações interpessoais concretas e mediadas por graus mais elevados de afetividade”, conclui o professor.
Outros tipos de ataque
Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mostra que desde o início do ano foram registrados 137 casos de agressões a profissionais de comunicação em contexto político, principalmente coberturas de manifestações ou eventos específicos ao período eleitoral. Ao todo, 75 dos ataques ocorreram por meios digitais, principalmente Twitter e Facebook, e 62 físicos.
Em consequência da violência eleitoral e do discurso do ódio, a ONG Aliança Nacional LGBTI lançou uma plataforma nacional para denúncias de violência motivadas por homofobia ou transfobia.
Algumas medidas públicas tomadas para o segundo turno da eleição foram o lançamento do Observatório de Intolerância Política pela Defensoria Pública da União no Ceará, Piauí, Pernambuco, Espírito Santo e Pará, e a instrução aos procuradores regionais eleitorais das 27 unidades da federação para assegurar o direito das pessoas nas escolhas de voto e combater situações de ódio e violência que se espalham pelo Brasil.
No DF, não há um órgão especializado para denúncias em casos de intolerância política, mas a vítima pode acionar o Disque 100 do Ministério dos Direitos Humanos (MDH) ou a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).
Para Saber Mais
A Constituição Federal de 1988, que comemorou 30 anos este ano, assegura a livre manifestação do pensamento e a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Por Clara Lobo, Nathália Kuhl e Patrícia Martins
Sob supervisão de Isa Stacciarini