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Gripe espanhola e coronavírus: historiadores mapeiam semelhanças de como Brasil lidou com pandemias

Havia quem pregasse o isolamento social e o uso obrigatório de máscaras. Por outro lado, negacionismo. Seria só uma “gripezinha”. Já ouviu esse embate em 2020, não é? Toda semelhança não será mera coincidência. Há 102 anos, o Brasil e o mundo enfrentavam o vírus Influenza ou, como ficou conhecido, como causador da “gripe espanhola” que, segundo estimativas, teria sido causadora da  contaminação de 500 milhões de pessoas e da morte de 50 milhões em todo o mundo.  No Brasil, foram, segundo os registros (possíveis da época), cerca de 35 mil mortes. Na pandemia do século 21, as mortes também são causadas por um vírus e o número de vítimas também supera a casa dos milhões. Segundo historiadores, há características muito semelhantes entre os dois períodos, mesmo que o Brasil tenha se transformado tanto.

Confira entrevista com historiador Frederico Tomé sobre essas aproximações 

Mesmo em contextos completamente diferentes, segundo o professor de história, Frederico Tomé, ainda assim é possível comparar os momentos políticos e sociais que estamos vivendo com o de mais de 100 anos atrás. De acordo com ele, a falta de informações, os problemas no serviço de saúde e a insalubridade se repetem da mesma forma e, inclusive, se tornaram catalisadores para ambas as doenças.

“Existem momentos semelhantes, primeiro a descrença e desinformação popular, a circulação de boatos de curas milagrosas, que a doença foi enviada por alguma entidade. Então nós tínhamos muita desinformação, não se acreditava no poder dessa doença, uma deficiência no atendimento de saúde, o que mostra a desigualdade social, já que, mesmo que o vírus não escolha entre ricos e pobres, a questão da insalubridade se torna um agravante para a mortalidade.”

O  professor acrescenta que a demora para tomar providências e a negação ao potencial do vírus da sociedade e de Venceslau Brás, presidente em exercício entre 1914 – 1918, causou muitas mortes, inclusive do próximo presidente eleito, Rodrigues Alves. “No primeiro momento, houve muita negação. Que o vírus vai passar, o que podemos ver no atual momento, a ideia de que é uma gripe passageira, que vai contaminar todo mundo e não vai trazer maiores impactos, que só vai atingir idosos e que isolar apenas os idosos já é suficiente para controlar o avanço do vírus. Então essa negação do presidente Venceslau Brás, acabou sendo muito nociva para o combate da pandemia, prejudicando ações posteriores e ceifando muitas vidas, vidas inclusive do presidente Rodrigues Alves, que foi eleito, mas acabou vindo a óbito antes de tomar posse.”

Segundo o também professor de história Deusdedith Rocha, outro agravante para as mortes no Brasil foi como a saúde estava sendo tratada na época pelo Estado e sociedade, que tentavam colocar em prática o sonho da república e cidades perfeitas. “A questão da saúde já vinha sendo tratada desde o início do século 20 pelo Estado brasileiro, mas, sobretudo, como forma de tornar as cidades mais parecidas com o ideal de racionalidade do positivismo da República. Assim, a tendência geral era compreender que haviam “doenças sociais” que deveriam ser combatidas ou controladas, como a prostituição e a loucura, e que haviam doenças cujos fatores biológicos humanos favoreciam a sua proliferação. Estou falando da compreensão de muitos médicos, de que fatores étnicos influenciavam na proliferação de algumas doenças, e que portanto, a grande parte da população brasileira, formada por miscigenados, era suscetível a muitas doenças porque eram inferiores em relação aos brancos.”


Ainda segundo Deusdedith Rocha, não estamos distante de como ficamos quando terminou a Gripe Espanhola “No presente, vejo que estamos mais próximos de sairmos dessa pandemia como saímos da gripe espanhola, sem grandes aprendizados para a nossa condição humana.”

O pesquisador crê que, nem durante a Gripe Espanhola e nem agora, durante a pandemia de coronavírus, estão acontecendo debates e reflexões de como chegamos e como podemos sair melhores de tudo isso. “Não há nenhuma reflexão séria sobre nossas vidas, o modo como vivemos, contribuiu para nos deixar mais vulneráveis e ameaçados. Nenhuma reflexão séria sobre as situações de dependência social, política, econômica e psicológica que uma sociedade de consumo nos deixa em um momento como esse. Existe muita especulação sobre como será o futuro, e não passam de apostas na retomada do nosso modo de vida anterior, só que agora com mais tecnologia, com mais racionalidade, com mais capacidade de produção.”

Confira os acontecimentos e medidas que os governos de Venceslau Brás, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa e Jair Bolsonaro tomaram durante as duas pandemias e como elas afetaram e vem afetando a população brasileira:

Gripe Espanhola

-As principais recomendações de combate ao Influenza no país foram: Evitar aglomerações, higienizar nariz e garganta e evitar fadiga e excesso de atividades físicas.


-Criada em 1897, a Diretoria-Geral de Saúde Pública era o único órgão da época relacionado a saúde. De início, não foram tomadas fortes medidas para combater a doença, já que, Carlos Seidl, o então diretor do órgão, insistia que a gripe era benigna e julgou desnecessário tomar qualquer ação preventiva, mesmo com quantidade de óbitos subindo a cada dia nos outros países. Após a situação se tornar crítica, a população e os jornais passaram a reivindicar medidas mais duras, porém Carlos continuou a dizer que ações como isolamento não seria possível e nem científico e, então, pediu a censura da mídia, pois acreditava que ela causava pânico no povo e ameaçava a preservação da ordem pública. Os jornais foram proibidos de divulgar os números de mortos e infectados.
Depois disso, Seidl foi demitido e substituído pelo sanitarista Carlos Chagas, que alterou todo o discurso sobre a doença, mas continuou a ter medidas que se limitavam a limpar portos e higienizar a capital.
Rio jornal – 11 de outubro de 1918:
“O director da Saúde Pública, está evidentemente, abusando da paciência da população. O governo está na obrigação de fazer sentir ao incompetente administrador, que mais de um milhão de vidas não podem continuar assim à mercê do seu formidável desleixo, da sua extraordinária inércia e da sua incommensuravel inaptidão administrativa. (…)”

-Houve o fechamento do Senado e Câmara do Rio de Janeiro -capital do país- por falta de funcionários para realizar as atividades burocráticas, já que, muitos estavam doentes ou faleceram.
-Aprovação automática de estudantes, sem a necessidade de provas finais.
-Eleições ao Senado ocorridas apenas na cidade do Rio de Janeiro, em novembro de 1918. A capital tinha, na época, 36 mil eleitores registrados, mas apenas 5 mil compareceram às urnas.
-Proibição de aglomerações públicas, como teatros e cinemas que, além de fechados, passaram por lavagens com desinfetante.
-Pela primeira vez é proibido que se visite os cemitérios no Dia dos Finados -não só para evitar multidões, mas também para evitar que as pessoas vissem o número de corpos esperando para serem enterrados.
-Houve a criação de uma tabela de preços de remédios e misturas que ganharam fama de milagrosos, tanto para a cura quanto para a prevenção da doença. Porém, sem haver a fiscalização, os produtos continuaram a aumentar.


-Com certo atraso de governadores e prefeitos, há a distribuição de remédios e alimentos, além do improviso de enfermarias em escolas, clubes e igrejas e convocação de médicos particulares e estudantes de medicina.
-Proposta de adiamento em 15 dias de prazo de dívidas que vencem durante a pandemia.

-Um dos remédios sugeridos para tratamento do Influenza foi o quinino, que servia para o tratamento da malária.
-Sem uma legislação trabalhista, diversos patrões deixaram de pagar os salários de seus funcionários infectados, agravando, assim, a situação, não só de miséria, mas também de contaminação, logo que esses trabalhadores se viram obrigados a voltar a trabalhar para voltar a receber .
-Grupos como a Maçonaria, operários e entidades médicas fizeram movimentos de arrecadação de alimentos, medicamentos e dinheiro para a sociedade que se encontrava doente e com fome.

Por Geovanna Bispo

Supervisão de Luiz Claudio  Ferreira