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Guardadores e lavadores de veículos relatam que começaram na atividade quando eram crianças

“Meu irmão trabalhava aqui e me trouxe pra gente cuidar dos irmãos pequenos”, relata Antônio Nascimento, de 51 anos de idade, cadeirante e que vigia carros no Setor Comercial Sul desde 1976 quando ainda era apenas uma criança. Tanto tempo de trabalho inspira confiança nas pessoas que deixam até as chaves dos veículos com ele. “Chegamos a pegar 200 chaves por dia aqui”, garante.Estima-se que haja na capital cerca de 18 mil lavadores e guardadores de carros, segundo o Sindicato dos Guardadores e Lavadores de Veículos do DF (Sindglav/DF). O presidente da entidade, Valdivino da Silva, responsável por presidir o sindicato, explica que a iniciativa de abrir uma associação que ouvisse os lavadores de carros surgiu de uma situação de abandono. “Em 2009, foi implantado em Brasília um sistema de zona azul (estacionamento rotativo) e a gente ficou sem emprego”, destaca o presidente. 

 Mesmo com a profissão regularizada pelo decreto  nº 30.522, os guardadores hoje têm medo de mais uma ameaça à atividade: a implementação de estacionamento rotativo em locais com grande fluxo de carros. O governo do Distrito Federal (GDF) lançou um edital em abril para chamamento de empresas que tenham interesse na implantação do estacionamento pago no Plano Piloto. Através de uma Parceria Público-Privada (PPP), o GDF estima que os estacionamentos rotativos entrem em funcionamento no segundo semestre de 2019. “Espero que, ao menos, o governo aproveite a mão de obra dos lavadores. Se não for assim, serão muitas famílias que ficarão sem sustento”, opina Valdivino.

Trabalho começou na infância

Essa realidade tão próxima assusta quem depende dos estacionamentos para viver. Diego Crivella, hoje com 33 anos, lamenta que vigia carros desde os 9. “Já fui vendedor, já trabalhei na feira, mas daqui sai mais dinheiro”. Para ele, a sociedade marginaliza a profissão e essa atitude contribui para que mais pessoas exijam os estacionamentos rotativos. “A gente está aqui só querendo trabalhar e ganhar nosso dinheiro, como qualquer um”, diz Diego. Mesmo com a insegurança que a privatização traz, Diego prefere não se filiar ao sindicato. “Já participei duas vezes e não resolve nada”, ressalta. Pela análise dos números, esse é um comportamento comum. De quase 20 mil lavadores presentes no DF, cerca de dois mil se uniram ao sindicalismo, segundo Valdivino. 

Insegurança

Rodrigo Duarte Ximenes, 43 anos de idade, há mais de 30 anos trabalha como guardador de carros em um shopping no centro da capital do país. Com cinco filhos, ele sai da cidade do Novo Gama de segunda a sábado às 6h da manhã e volta no fim da tarde. A origem humilde e a falta de condições financeiras foram um dos motivos que o influenciaram no começo. “A vida, necessidade, meu pai mandou a gente embora de casa muito cedo, não deu um futuro melhor, uma orientação que todo pai dá pro filho, um estudo, uma casa. Eu tive que me virar, eu tive que trabalhar, que engraxar sapato, aprender sozinho no meio da sociedade”, relata. Rodrigo se posiciona contra o Sindglav. “Inventaram um sindicato. Só querem arrancar dinheiro nosso, só quer que a gente pague uma taxa, mas na hora que a gente precisa eles viram as costas pra nós”.

Desde criança Rodrigo luta e conta que consegue sustentar sua família e conseguiu vários bens através do trabalho nas ruas. “ Comecei com 10 anos. Eu vim pra cá não era nem Pão de Açúcar, aí empacotava lá, os caras me colocavam pra correr lá de dentro, então eu vinha pra cá vigiar carro”, diz Rodrigo. Ele conta que chega a ganhar o equivalente a quatro salários mínimos por mês. “Vi Brasília crescer e tudo o que tenho na vida, minha casa meu carro, eu tirei daqui do estacionamento, honestamente; porque eu acho meu emprego honesto”. 

Porém, o trabalho não é fácil e quase sempre não é reconhecido pela população.“Tem muita gente da sociedade que tira a gente como lixo, já cuspiram na minha cara. Mas a vida é uma universidade aqui se faz aqui se paga. Tem muitas pessoas que valorizam, que me respeitam como ser humano”, desabafa Rodrigo.

Labirinto

Uma sexta-feira, quase 13h, a reportagem  caminha dentro de um estacionamento no Setor de Autarquias em Brasília  no , como um labirinto entre os carros. à procura de uma história. Encontramos uma turma com quase 10 homens, almoçando uma tradicional marmita. Abordamos amigavelmente. Entretanto, no primeiro momento, não sou muito bem vista por aqueles que acham que qualquer profissional da mídia não vai hesitar na hora de “falar mal” deles. 

Com insistência, conseguimos falar com um deles e indagamos se podemos fazer algumas perguntas.Educado, diz que não aceita dar entrevista, porém insistimos e pedimos indicação de outra pessoa com quem eu possa ter um diálogo. Logo ele apresenta uma turma de colegas de trabalho. Alguém resolve falar. 

O morador de Planaltina (DF) Domingos Pereira dos Santos tem 51 anos. Ele explica que trabalhava em um canteiro de obra mas por conta de complicações com a diabetes, em 1986.  Teve que largar a atividade e virar guardador de carros para manter a sobrevivência. Trabalhando há 12 anos em estacionamento, ele conta que a vida por lá não é fácil. Ele garante que os ganhos  são o suficiente para se sustentar durante o mês.

“Tem dia que eu ganho uma moeda que dá pra eu pagar uma passagem. Dá pra fazer alguma coisa. as tem dia que não dá em nada. Aqui a gente só ganha moeda quando a gente pega um carro pra lavar”.

O trabalho é arriscado. Domingos aparenta cansaço  Ele diz que já foi até agredido no local. “Eu estou com o braço quebrado aqui que não trabalho mais.  Eu pego um carro pra lavar e tenho que dar para os outros, não consigo nem movimentar porque fui agredido em estacionamento”. Domingos pergunta se pode dar um abraço na repórter. O abraço é a despedida. “A gente ajuda vocês e vocês ajudam a gente”, afirmou um dos guardadores de carros.

Por Jéssica Ribeiro e Mirella Rodrigues

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira