Em 15 dias, o presidente fez pelo menos oito declarações sobre o novo coronavírus. Em relação à pandemia, as declarações do chefe do Executivo podem ter algum impacto na opinião pública em relação ao isolamento social dos estados. A nossa equipe de reportagem acompanhou durante duas semanas as declarações do presidente da República e relacionou com a taxa de isolamento social no Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas, Pernambuco e Pará. Os dados obtidos são da plataforma InLoco, empresa de tecnologia que fornece inteligência a partir de dados de localização.
Durante o período, Bolsonaro fez pelo menos oito declarações relacionados ao coronavírus. Entre os 15 dias analisados, cerca de 41 quedas no isolamento social foram registradas nos 6 estados após falas do presidente. Por exemplo, em 26 de maio, o presidente afirmou que 70% da população iria ser infectada pelo coronavírus e que não tinha o que fazer. Um dia depois, o isolamento social caiu em cinco dos seis estados (DF, PA, SP, RJ e PE).
Em 1 de junho, Bolsonaro repetiu a afirmação e disse que “70% da população vai pegar Covid-19”. No dia seguinte, com exceção de São Paulo, os outros cinco estados registraram quedas na taxa de isolamento. Veja a relação das falas do presidente e do isolamento social:
- 26 de maio: “70% vai pegar [Covid-19]” / “Tem que abrir, o Brasil tem que voltar ao normal”/ “Tô de mãos atadas por decisão do STF”
No dia seguinte: relaxamento do isolamento em DF (41% – 40%), RJ (44,2% – 43,6%), SP (58% – 48%), PA (43,9% – 42,6%) e PE (46,% – 46%).
- 27 de maio: “Sempre disse que deveríamos nos preocupar com a vida e com os empregos”
No dia seguinte: relaxamento em PE (46% – 45,9%)
- 28 de maio: “ Você sabe que o STF decidiu que quem fecha ou não o comércio são os estados e municípios. Eu gostaria de poder participar disso tudo.” / “O devido atendimento [para casos de Covid-19], pelo que eu sei, né, é repouso e dar a ivermectina ou também agora a hidroxicloroquina.”
No dia seguinte: relaxamento em DF (40,8% – 39,2%), SP (48% – 39,5%), PA(43,1% – 41,9%), PE(45,9% – 44,8%), RJ(44% – 41,6) e AM(43,9% – 42,2%)
- 1º de junho: “70% vai pegar [Covid-19].”
No dia seguinte: relaxamento em DF(40,8% – 40,4%), RJ(42,9% – 42,3%), PA(41,8% – 39,8%), PE(44,2% – 43,5%) e AM (43,83% – 41,69%).
- 2 de junho: “[A morte] é o destino de todo mundo”.
No dia seguinte: DF(40,4% – 39,5%), RJ(42,3% – 41,6%), PA(39,8% – 39,3%), PE(43,5% – 42,3%), SP(41%-40%) e AM(41,6% – 40,4%).
- 3 de junho: “O STF delegou aos prefeitos e governadores tomar essas decisões [no combate à Covid-19]”
No dia seguinte: relaxamento em DF(39,5% – 38,7%), RJ(41,6% – 41,29%), PA (39,3% – 39%), PE(42,6%- 41,4%), SP(40% – 39%) e AM(40,4% – 40,2%).
Os estados que mais aparecem entre os cinco com maior taxa de isolamento são Amapá, Acre, Ceará e Pernambuco – todos fazem parte da região Norte ou Nordeste onde Bolsonaro teve menos votos no pleito de 2018. Já Goiás (onde a maioria da população votou em Bolsonaro) é o estado que com a pior média, aparecendo em último no ranking em 6 dos 7 dias da primeira semana analisada, entre 23 e 30 de maio.
Posição dúbia
Segundo o cientista político Leonardo Barreto, o fato do presidente ter apresentado uma posição dúbia dificulta a mobilização social da população para atender às recomendações de isolamento. “Ele contribui para criar um clima de desconfiança. Apesar da decisão de ficar em casa ou não seja das pessoas, o presidente tem uma certa responsabilidade sobre o relaxamento”, explica Barreto. Ele ainda afirma que, em uma crise, é importante ter uma unidade de comunicação e isso não foi estabelecido no Brasil em relação ao coronavírus.
O cientista político acredita que dificilmente Bolsonaro será responsabilizado civil ou criminalmente pela crise sanitária, mas que pode sofrer um julgamento político. “Talvez ele não tenha se comportado como deveria na gestão da crise, mas isso não deve gerar nenhum tipo de ação sobre ele”, diz.
Os governadores dos estados com maior taxa de isolamento criticaram pelo menos uma vez a postura e as afirmações de Bolsonaro sobre o enfrentamento ao novo coronavírus. Desde o início da pandemia, o presidente discorda e ataca as medidas impostas por governadores, principalmente aqueles que adotaram o isolamento social e fechamento do comércio.
Durante o período de análise, Bolsonaro repetiu pelo menos quatro vezes que o STF (Supremo Tribunal Federal) havia delegado aos estados e municípios a autoridade de determinar as medidas de enfrentamento a pandemia. Porém, a decisão do STF não exclui a capacidade do poder Executivo de também sugerir ações de combate. A única diferença é que as medidas vindas do presidente precisam valer em âmbito nacional, as decisões estaduais estão nas mãos dos governadores.
Reabertura precipitada
Durante a segunda semana observada, entre 31 de maio e 5 de junho, houve unidades da federação que promoveram relaxamentos . Rio de Janeiro, Distrito Federal, São Paulo e Pará estão nesta lista. Porém, segundo a especialista em saúde pública Leidijany Paz, o Brasil como um todo não está pronto para essa reabertura.
“O país é grande e tem diferentes realidades que estão em fases distintas da pandemia. Como um todo, nós ainda estamos crescendo no número de casos e não há espaço para afrouxamento”, afirma Leidijany. Ela explica que não há um momento ideal para iniciar a abertura, mas sim um sistema de saúde preparado. “Oferecer testagem e estar em um período de queda no número de óbitos são pontos essenciais para iniciar um reabertura”, diz.
A especialista afirma que o diagnóstico ainda não é muito preciso e reforça que o isolamento social ainda é a única ferramenta disponível no momento. “Podemos comparar resultados de outros países. Com isso contemos a disseminação do vírus e evitamos a sobrecarga do sistema de saúde”.
Por Gabriela Bernardes, Maria Clara Andrade e Samara Schwingel
Agência de Notícias Uniceub