Do sonho de infância até se tornar atleta, sabe-se que é apenas a minoria que vestirá um uniforme e dirá que tem uma carreira esportiva profissional. Nem sempre há incentivos em casa, na escola ou na quadra do bairro que está com a estrutura danificada. No caso do basquete, aros e cestas quebrados não estimulam o quicar da bola laranja. Mas há quem vença obstáculos é chegue longe. Atletas exemplificam quais foram os itens primordiais para um arremesso certeiro na carreira.
1 – Espaço em centro esportivo e apoio de professor
Um desses jovens é Sérgio Conceição, de 20 anos, que disputará a nova temporada do NBB pelo Cerrado Basquete, de Brasília (DF). O pivô é um dos reforços da equipe de Brasília, e conta com uma história inusitada dentro do esporte. Carioca, o jogador começou a prática de esportes na Vila Olímpica, onde fazia futebol, até ser descoberto para o basquete por um professor que ficou surpreso com sua altura (2,08 metros). “Ele (professor) falou, ‘olha garoto, você é alto, você serve, vai dar certo’, e me ofereceu uma bolsa em uma escola que disputava, isso me deu uma animada. Nessa idade eu não sabia nada de basquete, mas comecei a gostar e fui criando gosto com o passar do tempo”, rememora Sérgio.
O jogador conta que enfrentou dificuldades logo no primeiro ano de seu desenvolvimento, quando aprendeu desde bater bola até arremessar. Porém, ele explica ter tido uma evolução rápida para chegar ao mesmo nível dos colegas que treinavam há mais tempo. Além dos empecilhos pessoais, o pivô acredita que existam muitos obstáculos na trajetória, não apenas no lugar onde começou, mas em todo o país. Para ele, a falta de infraestrutura e apoio se destacam, mas o despreparo dos treinadores também é notório pela carência de conhecimento que faz com que eles pulem etapas na evolução de jogadores.
Sérgio, agora no Cerrado, em atuação pelo São José. Começo foi em Vila Olímpica (Newton Nogueira/Sesi Franca Basquete)
Quanto à formação dos atletas, Sérgio diz que a formação nos Estados Unidos lá está anos-luz à frente da do Brasil, pois são realidades completamentes diferentes. “São coisas básicas que faltam (no Brasil), desde a parte física, aprender como correr corretamente, como pular, isso não tem. Lá nos EUA tudo é bem estruturado, com boas escolas, com bastante gente jogando. A porcentagem dos atletas que vão para a NBA é muito baixa, mas a formação é excelente, eles conciliam tudo com estudo, enquanto no Brasil isso é muito difícil”, disse.
Tendo Marquinhos, do Flamengo, como a sua maior inspiração dentro de quadra, Conceição tem como principal meta na carreira fazer carreira no basquete nacional para poder chegar à Seleção Brasileira. Além disso, ele conta que também almeja competir em uma liga mais desenvolvida, como as da Europa. Prestes a iniciar uma nova trajetória com o Cerrado Basquete, o pivô pretende seguir o crescimento da temporada passada e acredita que a próxima edição do NBB será a determinante para a sua consolidação no esporte no país.
2 – Apoio da família
Mais um jovem promissor da modalidade é Felipe Ruivo, 22, armador do Paulistano. Seus primeiros passos no esporte foram inspirados por seu pai, ex-jogador e ex-técnico, Lauro César, e a mãe, Maria Fernanda, sempre presente nos ginásios. “Eu fui inserido nesse meio (basquete) por conta da vida que meus pais levavam no esporte. Foi uma coisa natural o fato de eu ter crescido desde pequeno estando em uma quadra, isso facilitou muito para que o meu amor pelo basquete crescesse cada vez mais. O apoio da minha família e dos meus verdadeiros amigos foi essencial, é quem está comigo hoje e esteve desde o começo”, compartilhou.
O jogador destaca que a família foi fundamental para o caminho. (Foto:William Oliveira/LNB)
Entretanto, apesar do suporte familiar, o jogador citou a saudade dos parentes como uma das maiores dificuldades durante a trajetória como profissional. Devido ao grande apego com eles, Felipe teve que lidar com a saudade em seus primeiros anos jogando fora de casa, mas diz ter aprendido a lidar e administrar bem essa questão. Outro obstáculo que a distância dos familiares trouxe foi a independência precoce para o atleta, visto que, aos 16 anos, precisou sair de Itanhaém, no interior paulista, e se adaptar a vida de morar sozinho no bairro de Pinheiros, na capital São Paulo, para iniciar profissionalmente a sua carreira.
Ainda sobre a sua relação com a família, Ruivo diz que se inspira em seu irmão mais novo, Guilherme, de 20 anos, como forma de superação. “Ele já passou por cada coisa, e nunca desistiu de jogar basquete, não abaixou a guarda. Ele teve um problema de hormônio de crescimento, precisou tomar injeção durante dois anos, todos os dias, e, depois disso, como ele cresceu muito rápido, precisou colocar dois pinos no quadril, ficou um ano sem jogar basquete. Quando voltou, teve problema nas costas, porque voltou fazendo esforço muito rápido. Agora está com o LCA (ligamento cruzado anterior) rompido. Então a vida bateu muito nele, mas ele sempre se levantou e seguiu firme. E o que me deixa mais maravilhado e contente, é que ele está sempre com sorriso no rosto. É uma pessoa que me inspira infinitamente”
Próximo de iniciar sua quinta temporada como profissional, Felipe acredita que essa será uma edição de muito crescimento e evolução, pois terá, pela primeira vez, um papel de responsabilidade e protagonismo maior, e busca a transformação para deixar de ser uma promessa e enfim se tornar uma realidade. Ainda assim, ele reforça a importância da parte psicológica para manter o foco e não se abalar caso não atinja seus objetivos esse ano, já pensando na futura evolução ao longo de temporadas posteriores. Ruivo revela que possui o sonho de representar o Brasil na seleção adulta, após já ter atuado pela amarelinha em todas as categorias da base, e de jogar, por conta do encaixe de seu jogo, na liga espanhola.
3 – Capacitação permanente
Sob outra perspectiva, o ala Arthur Belchor, 38, é um atleta com bagagem no basquete nacional. Conhecido por ser tricampeão do NBB jogando em Brasília, ele relata que seu caminho na modalidade começou aos 13 anos, através de uma escolinha. “Quando fui para escolinha já gostei de primeira, acabei largando os outros esportes que praticava e segui no basquete até hoje, com 38 anos. Acho que a galera aqui do DF sempre gostou primeiramente do esporte em si, e depois vai escolhendo, indo para a modalidade que ele se identifica mais”, comentou.
Nesse sentido, Arthur explica que apoio que seus pais ofereceram foi fundamental para a sua chegada no nível profissional, principalmente pelo aspecto econômico, uma vez que sua família sempre tinha como levá-lo aos treinos e jogos de sua equipe. Outro episódio que ficou marcado para o jogador foi quando os familiares bancaram sua viagem para representar a seleção brasileira de base, fato que ele considera que foi crucial no que tange a sua motivação para seguir na profissão.
Além dos empecilhos financeiros no caminho da profissionalização, Arthur também reforçou a dificuldade de incentivo e oportunidade para os jovens, e deu ênfase na importância da criação de iniciativas voltadas para o lado social. “Acho que o núcleo social é algo muito legal, uma ideia muito bacana que não é cara para se fazer, bem barato por sinal, em comparação com o que investem em outras coisas. Acho que isso dá muito resultado, você põe o núcleo social de várias modalidades, um núcleo bem ajeitado, organizado, com esportes legais, com professores incentivados, ganhando bem para isso, seguro de onde estão indo, na Estrutural, na Ceilândia. Você acha que não vai sair gente boa de lá? Claro que vai”, disse.
Arthur, que é brasiliense, recorda que pais investiram na formação do rapaz. (João Pires/NBB)
Por esse ângulo, somado a questão social, o ala destacou a importância da educação desde a formação inicial dos atletas, traçando um paralelo com o sistema aplicado nos Estados Unidos. De acordo com ele, no Brasil, ou a pessoa estuda ou pratica a modalidade, enquanto em solo americano a conciliação das duas atividades já é um padrão cultural do país. Dentro desse contexto, o jogador exemplificou a sua própria vivência como forma de comparação, visto que ele teve que abrir mão dos estudos para seguir a sua carreira no basquete, e somente hoje, com mais experiência, teve a oportunidade de buscar uma graduação. Com isso em vista, o jogador acredita que a ausência da escolaridade pode prejudicar os atletas, tanto os que tentam se tornar profissionais mas não conseguem e precisam buscar outra frente de atuação, quanto os que tem a carreira encurtada por algum motivo e depois enfrentam dificuldades para entrar em uma faculdade ou no mercado de trabalho.
Ainda nesse ponto de vista, o brasiliense se inspira em LeBron James, astro da NBA, não apenas por conta das atuações dentro de quadra, mas também pelo que é feito fora dela. Dessa forma, assim como o craque americano fez em Akron, sua cidade natal, Arthur iniciou um projeto em uma escola de Brasília para ajudar na formação de jovens na capital. Aos 38 anos, o jogador diz que seu maior desejo é deixar algo para as novas gerações, e também aconselha os futuros atletas. “Quando parar de jogar, ver que deixei um legado legal para as crianças e para todo mundo que me viu jogar, que consegui melhorar o basquete da cidade para eles, deixei a pista mais limpa para seguirem seus caminhos”. “O que eu penso para esses jovens jogadores é ter muito foco, levar a sério seu sonho, saber para onde quer chegar, e seguir. A caminhada é muito longa e vai ter muita pedra no caminho, o que mais vai ter é desvio de foco. E claro, se você não tiver aquela motivação interna sua você não vai conseguir fazer nada”, recomendou.
Por Arthur Ribeiro e Thiago Quint
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira