Profissionais da notícia veem-se em um dos desafios mais complexos dos últimos 100 anos. A cobertura da pandemia do coronavírus aponta para um dos principais dilemas jornalísticos: como trabalhar e ao mesmo tempo proteger a própria saúde? Uma questão comparada à cobertura de guerras. A busca por compreender até que passo dar, a que distância ficar em atividades presenciais e as questões do teletrabalho são as temáticas que mexem com a categoria no dia do jornalista, neste 7 de abril, com receios e missões que não têm dia ou hora para acabar.
No DF, Sindicato dos Jornalistas busca auxiliar os profissionais para que busquem seus direitos durante o período da quarentena. Desde o início do surto, a Covid-19 tem sido assunto principal na mídia, levando jornalistas de todo o mundo a buscarem meios de manter a população informada e ainda tentando evitar o contágio da doença. Dentro do novo esquema de home-office, adotado por algumas redações, profissionais têm encontrado caminhos próprios para garantir o fluxo de trabalho dentro da jornada de trabalho e a limitação de mobilidade na hora de apurar informações.
“O jornalismo é o contato direto com o público. Isso teve que parar, o que acaba complicando a nossa missão de mostrar os problemas e situações que as pessoas enfrentam todos os dias” explica Mateus*, repórter que não deixou de ir para as ruas. O jornalista conta que, apesar do veículo em que trabalha ter adotado a medida de quarentena, ainda existe o trabalho nas ruas e é onde as máscaras e álcool gel entram em ação. “Obviamente que ninguém coloca a própria integridade em risco, mas procuramos fazer o melhor com o nosso trabalho para que a população seja ajudada”.
A coordenadora-chefe do Sindicato dos Jornalistas do DF (SJP-DF), Juliana Nunes, explica que uma das principais reclamações é a do aumento da jornada de trabalho para aqueles que permitiram o home-office. A jornalista orienta que os profissionais estejam atentos e busquem o sindicato para serem orientados de acordo com a situação. “Nesses casos, é necessário, ao máximo, documentar as demandas recebidas, seja por troca de mensagens, e-mail ou Whatsapp, para que possamos ter um controle dessa jornada, e se necessário, futuramente, entrar com ações para pagamentos de hora extra”, explica.
O advogado Vínicius Cascone explica que, por conta da Reforma Trabalhista de 2017, grande parte dos contratos não tem o a clausula referente ao teletrabalho, portanto, a medida provisória pode permitir que existam efeitos negativos aos aditivos do contrato “por isso é importante que em um aditivo do contrato, deve-se colocar a jornada de trabalho com direito a intervalo, para que o empregador saiba que seu horário de trabalho é de 8h às 17h e essa é sua disponibilidade para com a empresa”, esclarece.
Segundo Cascone, durante esse período, o empregador pode e deve solicitar meios de manter um controle da jornada de trabalho “esse pode ser feito por e-mail ou Whatsapp, lembrando que para o teletrabalho, nessa situação, é preciso ter um pouco de razoabilidade, o empregador precisa entender que existe uma jornada de trabalho e é essa que o empregado deve cumprir. Se eu começo a chamar fora do horário designado, é preciso discutir a jornada extraordinária. A prorrogação da jornada só deve acontecer se houver um acordo mútuo.”
Outro repórter em Brasília afirma que apesar da facilidade em ter as fontes disponíveis por conta do isolamento, existe a dificuldade em continuar com o trabalho sem a disponibilidade dos equipamentos utilizados na redação. “A dificuldade principal é que a gente se formou jornalista pra ir atrás das coisas, e com o isolamento, a gente não sai de casa, fica preso, e isso impede de conhecer melhor as histórias, as notícias, as fontes… Parece que o trabalho fica no meio do caminho”, lamenta, o repórter.
“Compreendemos que esse é um período excepcional, temos uma MP flexibilizando uma série de coisas no contrato de trabalho, então entendemos que alguns desses acordes estão sendo feitos de forma individual, o que é preocupante já que alguns colegas em situação de teletrabalho estão tendo que usar equipamento pessoal e alguns comprando. Infelizmente, tivemos um caso lamentável de um colega que comprou o equipamento completo após ser designado para teletrabalho e em seguida foi demitido”, conta Juliana. O advogado esclarece ainda que as empresas devem garantir o equipamento apropriado para aqueles em condição de teletrabalho.
José*, repórter, fala da sobrecarga de trabalho para os profissionais de emissoras locais. “Acho que quando você está no home-office, a impressão é de que você trabalha ainda mais. No momento eu quem estou gravando e montando, o que acaba gerando uma sobrecarga de trabalho”.
Fake news e o retorno da confiança no jornalismo sério
Além das dificuldades em manter uma rotina séria e livre do risco de contágio e as adaptações ao teletrabalho, profissionais tem lidado com o peso ainda maior da desinformação e das notícias falsas que rondam entorno do novo vírus.
“Todo dia surge um defendendo o fim do isolamento, outro com remédio novo ou outras coisas que não ajudam no combate à doença, e isso pode trazer reflexos sérios mais para frente com os números de infectados e mortos por causa da COVID-19”, ressalta Mateus*.
Nas últimas semanas, surgiu a informação de que a cloroquina poderia ser um aliado contra o coronavírus, dado esse que foi endossado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e pelo presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro. O resultado da divulgação dessa informação sem estudo prévio resultou na falta de medicamento para pacientes que precisam do remédio para outras doenças, como lúpus.
“Vivemos em uma era de auto verdade, as pessoas acreditam no que querem e pronto. Isso vem dificultado o nosso trabalho porque mesmo desmentidas, as fakes news parecem continuar dentro das pessoas, elas não querem se desfazer delas de maneira alguma”, declara Lucas.
Para o Stephen Morse, professor de epidemiologia da Universidade de Columbia, os jornalistas têm um papel fundamental para o combate ao vírus. “Você deve evitar levar as pessoas à complacência, mas também não deve exagerar tanto para que crie medo ou pânico sem fundamento”, explica.
Miguel*, outro repórter, fala do valor que o jornalismo profissional tem nesses períodos. “Isso é o que diferencia a gente, que estuda jornalismo e vai trabalhar em veículos sérios, do pessoal que cria uma página para difundir suas próprias ideologias. Nosso compromisso é em passar a informação correta. Aprendemos a desconfiar de tudo, a questionar, a bater dados e a procurar inconsistências e contradições”.
Nesse sentido, veículos tem aberto novas subeditorias para trazer informações com veracidade sobre o Covid-19. A jornalista brasileira Cristina Tardáguila , junto ao International Fact-Checking Network (IFCN), montou uma colaboração de checagem de fatos e desinformação sobre notícias envolvendo o novo coronavírus, o grupo tem a participação de 39 países e mais de 90 checadores.
Além do grupo do IFCN, jornais como o Globo, El País, Folha e O Estado de S. Paulo, têm aberto seus conteúdos para acesso gratuito, com isso, tem sido possível criar um índice específico para o coronavírus, reunindo um serviço de cobertura ao vivo sobre a pandemia.
“Não é à toa que a audiência de todos os veículos tradicionais de comunicação subiu nessa pandemia. As pessoas passaram os últimos anos difundindo mentiras, principalmente nas redes sociais, mas todas sabem exatamente onde estão as informações confiáveis”, ressalta Miguel.
Pesquisa do Datafolha aponta aumento na procura de um jornalismo mais sério em meio a crise de saúde pública. Nesse período, TVs e jornais chegam a 61% e 56% no índice de confiança em informações divulgadas sobre o coronavírus. Em seguida, programas de rádio e sites de notícias aparecem com 50% e 38% no índice.
Apesar das dificuldades, profissionais mantém a confiança no jornalismo sério e acreditam que o momento pode trazer aprendizado, “vejo que podemos sair desse processo mais forte, com um jornalismo mais fortalecido se ele assumir esse compromisso de defesa e coletividade”, reforça José.
“A verdade é que precisamos aprender a nos virar nessas situações, isso acaba fazendo com que a gente reinvente o jornalismo, as formas de gravação e outros pontos mais. Apesar do trauma andar junto, principalmente com relação a uma doença tão grave e que mata tantas pessoas no mundo, anda a preocupação, mas o momento em si é de aprendizado para os profissionais”, afirma Mateus.
Juliana Nunes afirma que o sindicato estará à disposição dos profissionais durante esse período e se alegra com a vitória de um possível acordo com a Secretaria de Saúde para acrescentar a categoria a lista prioritária na segunda fase da campanha de vacinação contra a influenza. “Sabemos que não protege contra o coronavírus, mas para os profissionais que estão trabalhando na rua e em situação de vulnerabilidade é uma proteção. Conseguimos 3 mil doses que serão disponibilizadas preferencialmente aos jornalistas que não estão em home-office”, explica.
Por Maria Clara Andrade
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira
Imagem: Governo de SP/Divulgação