A Lei Eusébio de Queirós (leia aqui) representou em 4 de setembro de 1850 (há 271 anos), uma pressão contra a escravização de negros no Brasil por diferentes motivações. Mas o fato é que a Abolição só foi assinada quase quatro décadas depois (1888). A letargia brasileira diante desse processo oficial desumano pode ser entendida até hoje, conforme contextualiza o historiador Frederico Tomé.
Confira trecho de entrevista com pesquisador: “Lei mudou pouco a vida dos escravizados”
“Os reflexos que temos hoje no Brasil, que vêm a público em denúncias de trabalho escravo, ainda persistem no país, e têm relação com a forma que a escravidão foi tratada. Ela acabou na lei, mas as práticas escravocratas infelizmente ainda continuam”, afirma o pesquisador.
“A lei progressivamente foi acabando com a escravidão, mas não acabou com uma estrutura escravocrata no Brasil”, pontua o professor. Ele também explica que atualmente isso é visto quando ainda é preciso falar sobre racismo estrutural.
Tráfico
O especialista explica que a lei foi aprovada por motivos econômicos pelo governo imperial brasileiro. Açúcar, café e escravos movimentavam a economia daquele período. Só que o Brasil foi pressionado pela Inglaterra para colocar um ponto final no tráfico de africanos.
A força dos ingleses representava um componente decisivo no cenário. “A pressão da Inglaterra criou uma condição para que o estado brasileiro efetivamente agisse”, diz o professor. Porém, antes de isso acontecer, a produção e o comércio de café trouxeram capital e recursos para o país.
Escravagismo
Do ponto de vista econômico, o que seria um grande avanço resultou na intensa e desumana política escravocrata dos anos 1800.
Naquele tempo, o Brasil tinha um contingente de escravos maior do que nos séculos 16, 17 e 18. No mesmo instante em que ocorria a expansão dos cafezais, a Inglaterra avançava sobre o continente africano e necessitava de mão de obra disponível para explorar o que era novidade.
Como forma de conter a ilegalidade, os ingleses começaram uma campanha de abolição do tráfico internacional, que tinha como objetivo libertar os africanos encontrados nos navios apreendidos.
Brasil independente e a lei
A legislação fazia parte de um acordo entre os britânicos e os portugueses em troca do reconhecimento da independência do Brasil pelos ingleses em 1825 (25 anos antes da lei).
Como os britânicos intermediaram as negociações de emancipação do Brasil, o governo brasileiro chegou a criar leis que declaravam livres todos os africanos que entrassem no território.
Nem sempre, porém, a teoria condiz com a prática. “Foi a partir daí que surgiu a ideia de lei para inglês ver”, destaca Tomé.
O professor ainda reforça que o império brasileiro sempre fechou os olhos para esse problema social e que de 1830 até a instauração da Lei Eusébio de Queirós, houve um abastecimento de escravos bastante expressivo nos portos e fazendas do país.
“Foi muito mais uma pressão inglesa”. Assista a trecho de entrevista com professor Frederico Tomé
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“Questões internas”
Mesmo com as imposições, a escravidão demorou para acabar. Em 1845, o parlamento inglês determinou a Lei Bill Aberdeen, que dava autorização aos navios ingleses para abordar embarcações que trafegavam no Atlântico com escravos.
O Brasil chegou a tentar usar como argumento que a atitude era uma intromissão nas questões políticas internas do país, mas a Inglaterra não aceitou a declaração e a usou como incentivo para a formação de leis abolicionistas.
“Houve um movimento político-administrativo que permitiu a chegada de imigrantes para substituírem a mão-de-obra escrava. Esse momento de 38 anos que separa a Lei Eusébio de Queirós do fim da escravidão está situado dentro de uma realidade escravocrata, na qual o escravo, mesmo que possuidor de certas liberdades, não se encontrava inserido na sociedade. No entanto, ninguém ousava criticar”, reforça o pesquisador.
Enfim, livres
As críticas efetivamente relacionadas à escravidão ficaram mais contundentes com a Guerra do Paraguai e, em seguida, na década de 1870, o movimento abolicionista ganhou não apenas força popular, como também a própria resistência dos escravos.
Em 1888, a escravidão oficial estava em momentos derradeiros. As regiões Norte e Nordeste já tinham outros tipos de exploração de mão-de-obra. Quem ainda se apegava ao modelo de escravidão eram os senhores de engenho.
Mas conforme o café avançava por São Paulo, novos tipos de produção, como o trabalho livre assalariado, passaram a ser instalados nas pequenas e médias propriedades próximas aos centros urbanos.
Impactos da liberdade na economia
Com a redução da escravidão, o dinheiro utilizado na compra de escravos foi revertido em investimento na produção, o que favoreceu o sistema bancário e beneficiou o desenvolvimento econômico do Brasil na segunda metade do século 19.
“Os bancos brasileiros e aqueles que poderiam financiar atividades econômicas ganharam volume de capital, que foi proveniente da Lei Eusébio de Queirós e da proibição do tráfico de escravos”, afirma Tomé.
Por Vitor Rosas e Luana Correa
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira