Um local que recebia funcionários e visitantes considerado insalubre pela própria diretora do presídio, Deuselita Pereira. O antigo bloco possuía o teto mais baixo, era quente e sem ventilação. A parte dos visitantes era descoberta, havia apenas um banheiro para atender ambos homens e mulheres e ficava próximo à área de trabalho dos servidores. “Era um espaço muito feio, pouco atrativo e pouco funcional. Demorava muito o ingresso do visitante por conta das dificuldades na movimentação”, explica.
A diretora exalta que o objetivo da reforma, que durou cinco meses e custou R$ 180 mil, é dar mais dignidade aos servidores e receber de forma mais humanizada os visitantes que vêm ao sistema prisional por conta dos familiares internados. Segundo ela, ainda existe a revista manual, mas a intenção é que muito em breve todas as revistas sejam feitas por scanner corporal. No local, todos os visitantes são atendidos por equipamento que fiscaliza possível entrada de objetos. Quando a reportagem visitou o lugar, já estava em fase de acabamento. A inauguração é nesta quarta (4 de julho).
O projeto
Segundo a diretora do Colmeia, Deuselita Pereira, o projeto “Mãos Dadas” surgiu há cerca de cinco anos e inclui a contratação de internos para prestar serviços para penitenciária feminina. Em princípio, esse projeto foi implementado para atuar apenas dentro da Colmeia em reformas e construções, porém surgiram parcerias com administrações regionais que também tinham carência de mão de obra. Hoje, a iniciativa expandiu e abrange todo o Distrito Federal. “Já foram várias cidades satélites e escolas reformadas por esse projeto com o trabalho dos internos”, explica.
“O trabalho é o esteio da ressocialização”, diz a diretora
O local de espera dos visitantes dos familiares dos detentos da colmeia ganhou mais espaço, iluminação, adaptação para deficientes e mais servidores para a agilidade do serviço. Segundo a diretora, o mais importante do projeto é que o sistema prisional ofereça uma profissionalização ao detento e também seja uma oportunidade para que as pessoas que cumpram pena criem responsabilidade e mais disciplina. Além disso, há a remissão de um dia da pena a cada três dias trabalhados. “Os internos que trabalham hoje na penitenciária recebem um salário pago pela Secretaria de Segurança, conseguem a remissão da pena, além de se profissionalizar e se capacitar para o mercado fora do presídio”. As carteiras são assinadas de acordo com as normas da Vara da Execução Penal.
Cerca de 30 homens trabalharam na execução da obra na penitenciária feminina e todos já estão em regime semiaberto com a autorização para trabalho externo. Dessa forma, funciona como se fosse uma contratação. “Tem uma equipe que faz uma seleção dos internos, eles fazem uma experiência com a obra e a partir da experiência, eles são contratados e ficam alojados aqui”.
Respeito e sonhos
Com trinta anos de idade, D* acredita que o que aprendeu como pedreiro vai ser útil para reformas da própria casa, mas a carreira que quer realmente sonha seguir é a de odontologia. Formar-se é o sonho da vez. Detentos de regime semiaberto podem atender escolas e faculdades por meio do programa e a cada 12 horas de frequência escolar, têm 1 dia retirado da pena.
Perto dele, estava G*, com camisa branca e chapéu com cobertura para os ouvidos. Enquanto assenta massa de uma coluna, comenta que é feliz com as demonstrações de respeito apesar do que ocorreu no passado. “Nós somos tratados como trabalhadores. Os chefes, os agentes, todos nos respeitam e nos tratam como empregados de verdade”. G* já trabalhava como gesseiro e, com o programa, teve aulas com serralheiros e pedreiros.
No “Mãos dadas”, os detentos recebem aulas de profissionais e de outros detentos que já tinham profissões. F*, 21 anos, é cabeleireiro e teve a oportunidade de aprender habilidades com pedreiros. Ele quer continuar na área que já trabalhava, mas afirma que, se for necessário, o que aprendeu pode ser útil no mercado de trabalho. “Já está sendo útil. Já tirei umas medidas lá em casa. Dá para levar de exemplo”.
A obra na área de visitação na penitenciária foi planejada através de uma parceria com professores e alunos de engenharia e arquitetura do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). A professora Maruska Bueno, coordenadora do projeto de extensão “Vale a pena”, responsável pela criação do projeto, defende que o principal ganho aos alunos é a prática da teoria em projetos humanos. “Eles aprendem a engenharia e a relação com o outro. A humanização é a parte mais importante desse projeto”.
De acordo com Deuselita Pereira, a parceria com os alunos universitários começou pela dificuldade em ter profissionais na área de engenharia e arquitetura que conseguissem atender às demandas do presídio no prazo necessário. Então, há cerca de cinco anos foi feito um primeiro contato para apresentar um projeto de reforma dos blocos 4 e 5 e de ampliação da ala psiquiátrica.
Segundo a professora Maruska Bueno, a interação com os detentos, durante todo o processo, foi bastante positiva. Ela explica que os alunos tiveram a oportunidade de trabalhar com um projeto cujo foco é alguém vulnerável e em situação de risco. “Perceber no cliente que ele está ganhando muito mais que um simples produto executado é engrandecedor para qualquer profissional”.
“A gente se torna profissional, mas a gente continua ser humano”, diz Maruska Bueno
A engenharia e a arquitetura utilizadas no projeto são diferentes dos que os alunos são habituados em sala de aula. Por ser uma área de visitação da penitenciária, a obra precisa de materiais específicos e de dimensões de acordo com as normas exigidas. Maruska conta que foi um processo de adequação para a busca do melhor, com todos os requisitos pedidos. “O desafio, agora, é continuar. Há outros serviços para fazer”.
Paulo Sérgio Otis, aluno do décimo semestre, entrou no projeto “Vale a pena” em busca de uma aplicação prática da teoria que aprendeu em sala de aula. Ele realizou a coleta de material do solo para a construção do estacionamento. “O diferencial desse projeto é que somos voluntários. O diferencial é ver que o trabalho que você está fazendo beneficia outras pessoas e outras instituições”.
Ele esteve em contato com os detentos na extração do material e juntos trocaram experiências. “Nós [os alunos] aprendemos a dar valor a liberdade e o projeto é diferente do que estamos acostumados”. O relacionamento de poucas horas foi o suficiente para troca de conhecimentos. Alguns detentos que já trabalharam como pedreiros mostravam como era a prática e aprendem a realizar outros procedimentos de acordo com as normas técnicas (NBRs).
Os estudantes Roberto Name e Ivna de Freitas não chegaram a ter contato direto com os detentos, mas afirmam que gostaram do programa. Ivna, que já é formada em arquitetura, ajudou na parte do projeto da área da visitação. “Tanto na arquitetura e engenharia não tem esse contato com projetos diferentes, de presídios e hospitais. Foi uma experiência muito diferente. “Eles têm a parte da prática e a gente da teoria. Foi uma troca muito boa”, Ivna de Freitas.
Roberto auxiliou no levantamento de materiais para o orçamento. Essa foi sua primeira experiência de trabalho e começar com um projeto diferente do habitual foi “uma oportunidade diferente, têm diferentes normas, diferentes preocupações”. O fato dos detentos que trabalham podem ganhar um dia a menos na pena é para ele, uma forma deles voltarem a acreditar que podem voltar à sociedade. “Dar essa oportunidade de ver que a gente trata eles da mesma maneira é um incentivo a mudarem e entrarem no mercado de trabalho de novo”.
Por dentro da Colmeia
Atualmente, a Colmeia possui quase 680 mulheres presas e 100 homens. No caso deles, a maior parte está em ala de tratamento psiquiátrico. As presas estão situadas em diferentes regimes: fechado, e semiaberto, além da ala de maternidade. A maioria tem idade de 18 a 25 anos, é negra ou parda. Quase todas são pobres. A maior incidência de crimes das mulheres (65%) é o tráfico de entorpecentes. Segundo a diretora do presídio, Deuselita Pereira, 44% da população carcerária responde por roubo, assalto a mão armada, 11% por crimes contra a vida e os demais se distribuem por furto, estelionato e outros.
Atualmente, o presídio da Colmeia possui nove grávidas e onze com bebês. Na ala maternidade, os bebês ficam com as detentas até seis meses de vida. Há também uma ala para gestantes. Assim que se detecta a gravidez ou há suspeita, a interna vai para essa ala e faz todo preparo de pré-natal e exames necessários.
Assim que a detenta dá à luz a criança, é transferida para o berçário e permanece com o filho até até uma média de seis meses de idade. A partir do sexto mês, a criança ou vai para a família que a acolher ou, quando não há ninguém apto ser a família substituta, a criança para um abrigo.
Todo o procedimento é acompanhado pela Vara da Infância e da Juventude. Segundo a diretora, a partir do quarto mês, a mãe é acolhida por um assistente social e ele indica uma pessoa para receber a criança. Essa pessoa vai na Vara da Infância com pedido de guarda provisória, o Conselho Tutelar começa o acompanhamento e o juiz é que determina a guarda provisória.
O presídio possui um núcleo de assistência médica onde atende toda a parte de saúde básica. Há uma médica clínica-geral, que também faz as vias de ginecologista. O grupo de saúde é formado por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Além disso, há dentistas, psicólogos e assistentes sociais. Há duas equipes de saúde básica no presídio, uma que atende a ala psiquiátrica masculina e feminina e a outra que atende apenas as mulheres. O núcleo de saúde fornece um kit de higiene básica, no qual possui três pacotes de absorventes.
Segundo Deuselita, a penitenciária feminina não tem um projeto padrão. A princípio o presídio tinha o bloco três e depois se estendeu para o bloco seis e o bloco sete. Então, varia a quantidade de internas por cela e por ala. No bloco três, há 12 celas onde cabem 12 internas em cada. Além disso, existem as alas maternidade, das gestantes e do regime semiaberto, que não é cela, mas quartos com um grande corredor e uma ala de convivência. Já os blocos seis e sete são celas com oito camas.
Sintomas do abandono
De acordo com a diretora, todos os blocos têm o denominado Parlatório, que são os locais apropriados para os encontros íntimos. Porém, a diretora explicou que a penitenciária feminina não tem “uma demanda grande” para a utilização desses locais como ocorre na penitenciária masculina. As mulheres que são presas normalmente são abandonadas pelos seus companheiros. São áreas que são utilizadas, mas não com a mesma concorrência dos presídios masculinos.
Segundo a delegada, a penitenciária feminina está qualificada como um dos melhores presídios por conta das oportunidades de estudo e trabalho que são ofertadas para as internas. Atualmente, mais de 50% das mulheres trabalham na penitenciária e mais de 50% estão entre o ensino regular, o nível superior a distância e os cursos profissionalizantes ofertados pelo Pronatec. “Considerando a média nacional, nós estamos bem acima’, explica.
Apesar da diretora considerar a média ótima, para ela, ainda não é suficiente. “Nós temos como meta poder ofertar 100% de oportunidades para todas as internas que estão aqui”. Para ela, hoje o problema não é a questão do espaço.
A delegada conta que não há problemas na penitenciária feminina com a mesma gravidade do presídio masculino. “Costuma ser no máximo algumas lesões leves e são lesões provocadas pelos relacionamentos íntimos entre elas”. Segundo a diretora, nesses nove anos no comando da penitenciária, nunca houve uma tentativa de rebelião. Tiveram apenas dois homicídios, sendo os dois na ala psiquiátrica.
Segundo a diretora, além da possibilidade de um dia de perdão a cada três dias de trabalho, também é possível conseguir um dia de remissão na pena e a cada 12 horas de estudos. De acordo com ela, no projeto “Mãos dadas” não são muitos que estudam, mas a maioria das mulheres da Colmeia que trabalham também estudam.
Visitas
De acordo com a delegada, os dias de visitação ocorrem somente às quinta-feiras e são recebidas em média 500 a 600 pessoas. As visitas começam às 9h da manhã e até meio dia todas as pessoas já ingressaram na unidade. Atualmente, o sistema prisional já fornece a senha por meio do sistema on-line do site da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF. Com a senha, os visitantes podem se programar para chegar próximo ao horário de atendimento. As visitas podem durar no máximo até às 15h.
Segundo Deuselita Pereira, quando é dia de visita especial (como em datas especiais), são possibilitadas um maior número de pessoas e crianças, para que filhos e netos possam ingressar nas visitas especiais, mesmo que não estejam cadastradas. “Quando é assim, chegamos a um número de 800 visitantes”.
Obra foi realizada em área próxima à entrada do presídio de forma a melhorar o atendimento dos visitantes e o trabalho dos funcionários. A obra que custou R$ 180 mil, contou com os recursos do Governo do Distrito Federal (com recursos da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança Pública) e de grupos religiosos. Os trabalhos duraram 5 meses e foram realizados por 30 detentos, além de professores e estudantes do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB (por intermédio do projeto “Vale à pena”).
A servidora Mônica Castro trabalha há cerca de oito anos na coordenação de visitas da Penitenciária Feminina do Distrito Federal. Segundo a agente, o calor e o espaço físico dificultavam muito os dias de visita, pois o servidor e o visitante tinham que esperar debaixo de sol ou chuva por falta de estrutura física no local. “O teto era muito baixo e sentíamos bastante calor, o espaço físico era insuficiente tanto para os servidores quanto para os visitantes que esperavam debaixo do sol e ao entrar ainda enfrentavam outra fila”. Para Mônica, os maiores benefícios que a obra vai proporcionar incluem o conforto aos visitantes e a economia de tempo, já que agora a estrutura do local está apta para o serviço. “Com o espaço maior é possível passar pelo scanner e pela revista visual,o espaço também está maior para a revista de sacolas e o tempo do visitante na espera é muito menor”.
** Nomes de detentos na reportagem foram omitidos para manter a privacidade dos entrevistados.
Expediente
Por Larissa Lustoza, Mariana Fraga e Marília Sena, da Agência de Notícias UniCEUB
Imagens de vídeo: Raimundo Flamel
Supervisão da reportagem: Luiz Claudio Ferreira
Assessoria de Extensão e Integração Universitária do UniCEUB: Renata Bittencourt
Coordenação do curso de Jornalismo: Henrique Moreira
Direção da FATECS: José Pereira da Luz Filho
* A equipe agradece o apoio da direção da Penitenciária pelo apoio para realização da reportagem.