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MPI abre exposição sobre cura em tempos de pandemia

O Memorial dos Povos Indígenas (MPI), espaço da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) do DF, abre nesta sexta-feira (05) exposição que invoca a limpeza do corpo e da alma em favor da vida. Na língua dos Pankararus, povo que conta 6.500 pessoas, nos municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu, em Pernambuco, isso se resume numa palavra: “Yeposanóng”. O mesmo termo dá nome à mostra de dez quadros de Aislan Pankararu, artista indígena e estudante de medicina na Universidade de Brasília (UnB), que se forma este ano.

A exibição coincide com a corrida do imbu (ou umbu), celebrada em fevereiro por esse tronco dos povos originários que se mira na resiliência da árvore do cerrado. O imbu dá uma batata com valor alimentício e é capaz de segurar suprimentos de água em suas raízes – uma metáfora para a força que marca os Pankararus, vítimas de agressões de colonizadores de ontem e hoje.

Cartas da parente Elisa Urbano Ramos também integram a exposição e ressaltam o lado feminino, responsável pela harmonia de forças na cosmogonia (teoria que pretende explicar a origem do universo) desse povo.

| Foto: Marina Gadelha/Secec

Desejo da cura
Aislan atendeu a reportagem da Secec em meio à rotina atribulada que enfrenta como residente do Hospital Universitário de Brasília (HUB). O que ele espera com a exposição? “Eu quero mostrar um pouco de mim, um pouco do que produzo e a relação da minha arte com meu povo”, afirma.

No texto de parede que ajudou a compor, há outras pistas do que a obra do autor, plena de referências ao barro branco usado em pinturas corporais que dão identidade aos Pankararus, representa: “’Yeposanóng’ significa curar-se, é o que desejamos para este ano. Os povos indígenas irão sobreviver a mais uma epidemia, que agora é global”.

Arte e energia

A curadora da mostra, Rafaela Campos Alves, registra que a arte de Aislan Pankararu traz sentimentos daquilo que seu povo quer para este ano: mudança e cura. “O artista renova e amplia sua pesquisa junto ao seu povo e isso transforma sua arte e energia. Como base sempre presente estão cosmovisão, música, dança e resistência Pankararu”.

Rafaela cursou a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio. Ela enxerga nos grafismos e gravuras do artista indígena “uma mensagem do espírito Pankararu de amor e cuidado com o planeta e seus habitantes”.

Carioca que mora na Ilha do Governador, Rafaela explica que a Corrida do Imbu, com o fechamento da fruta, as danças do toré (de comunicação com entidades, como caboclos e encantados) e os ritos de cansanção (uma erva) celebram a existência e a vida, algo que a Covid-19 colocou no alto da agenda.

O texto de parede reforça a ideia de que “’Yeposanóng’ é um chamado para que todos renovem esperanças e força em nossa ancestralidade. É a procura pelo diálogo e entendimento de que todos vivemos no mesmo planeta e precisamos buscar mais o orgânico que o artificial, pois a cura está em nós e na natureza de forma interdependente”.

“Ser indígena e estar na universidade é muito desafiador e hoje Aislan está empoderado. Ele enfrentou preconceitos e resistiu. Quer mostrar que os indígenas podem ocupar todos os espaços que quiserem. Para essa exposição, trouxemos esse desafio que está sendo enfrentar as perdas de vida na pandemia. A resistência nessa exposição vem através da energia, força e ancestralidade que os povos indígenas sempre tiveram e carregam consigo”, elabora a curadora.

| Foto: Marina Gadelha/Secec

Rafaela comemora o fato de a iniciativa acontecer no MPI, criado com a intenção de dar voz e visibilidade aos povos originários, empurrados para as margens pela historiografia oficial e a ideologia hegemônica, fatos que Darcy Ribeiro, idealizador do espaço, não se cansou de denunciar e combater.

“Nada melhor que uma mulher para falar sobre a vida”, afirma Aislan. “Eu não sei o que é ser uma mulher Pankararu, mas sei que são de fundamental importância para manter nossa tradição e rituais específicos”, ensina. Elisa Ramos é uma das “moças do cansanção”, um ritual conduzido pelas mulheres, no qual essa nação indígena renova a crença em forças e sabedoria milenares femininas.

Ela mostrou o caminho para jovens como Aislan, de apenas 30 anos. É professora com mestrado em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Sua tese no programa de pós-graduação traz o título “Mulheres como lideranças indígenas em Pernambuco, espaço de poder onde acontece a equidade de gênero”.

Engana-se quem acha que entre os Pankararus, homens e mulheres digladiam pelo comando. Elas são figuras de destaque que garantem a harmonia entre diferentes sistemas, dentro dos quais também aos homens cabem papeis fundamentais. Nesses espaços, ensina Elisa, circulam seres viventes, visíveis e invisíveis, e tudo importa – pedras e rios, matas, o ar e as pessoas.

Elisa critica a visão estreita “dos colonizadores”, que veem na terra apenas o seu valor como fator de acumulação de capital, que deixa para traz a ligação com ancestralidade e modos sustentáveis de vida e relações humanas em harmonia com o todo. Na exposição, cartas da professora indígena deixam fragmentos sobre o lugar da mulher na cultura de seu povo.

“A figura feminina é vista como mãe da criação, a mãe natureza, que protege os espaços onde há vida. Guardiãs da saúde, da educação, do bem-estar social e espiritual”. Em tempos de pandemia, o mundo tem muito a aprender com os Pankararus. A exposição no MPI é uma oportunidade para isso.

Serviço

“Yeposanóng”
Exposição de quadros de Aislan Pankararu
5 de fevereiro a 2 de março
Sexta a domingo e feriados, de 9h às 15h
Memorial dos Povos Indígenas (MPI)

*Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa

AGÊNCIA BRASÍLIA* | EDIÇÃO: RENATA LU