Um dos maiores desafios no combate ao câncer de próstata é cultural: homens
se cuidam menos e muitos têm preconceito em relação aos exames de
rastreamento. Se já era difícil convencê-los a buscar os médicos antes da
pandemia, a chegada da Covid-19 e as medidas de isolamento social pioraram
ainda mais o cenário. Uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de
Urologia (SBU) mostrou que a procura por cirurgias eletivas urológicas caiu 50%
na pandemia. Desses, cerca de 90% afirmaram que houve uma redução em 50%
das cirurgias eletivas, e 54,8% relataram que as cirurgias de emergências
diminuíram pela metade.
O problema, apontam médicos e especialistas, é que muitos deixaram de
detectar o câncer nos estágios iniciais, quando as chances de cura são mais altas
e os tratamentos menos agressivos. Por conta desses números, as ações de
conscientização do Novembro Azul deste ano se mostram ainda mais
importantes, aponta o oncologista Paulo Lages, do Grupo Oncoclínicas. “Ações
informativas e práticas que estimulem os homens a buscarem o
aconselhamento para diagnóstico do câncer de próstata, o segundo mais
comum do Brasil, ainda em estágio inicial são sempre importantes, mas nesses
últimos quase dois anos se tornaram ainda mais fundamentais por conta da
pandemia”, acredita.
“A grande barreira para os homens é fazer esse acompanhamento médico de
prevenção. Há grupos que precisam ficar ainda mais atentos. Pessoas com
parentes de primeiro grau que tiveram a doença ou afrodescendentes devem
fazer a prevenção ainda antes, aos 45 anos, por terem propensão maior ao risco
de desenvolver tumores de próstata”, ressalta o médico.
Mesmo quando os sinais de problemas se tornam inegáveis, em muitos casos o
diagnóstico efetivo da doença só acontece após insistência de parceiras ou
mulheres próximas aos pacientes. Não à toa, 70% das mulheres comparecem às
consultas médicas do companheiro, segundo levantamento realizado pelo
Centro de Referência em Saúde do Homem do Estado de São Paulo.
“Um dos principais objetivos do diagnóstico precoce, além de permitir a adoção
de tratamentos menos invasivos e promover chances de cura que podem passar
de 90% em 5 anos na doença localizada, é evitar que o paciente tenha outros
impactos à saúde em geral. Pacientes que tem o diagnóstico precoce de um
câncer de próstata com características indolentes podem ser apenas
acompanhados poupando-os de possíveis efeitos colaterais do tratamento
cirúrgico ou radioterápico. Por outro lado, quando o câncer de próstata tem
características mais agressivas e é identificado em estágios mais avançados, o
tratamento indicado acaba sendo mais intenso, requerendo cirurgia,
radioterapia, bloqueio hormonal ou quimioterapia. O bloqueio hormonal, é o
pilar principal do tratamento da doença avançada e reduz a testosterona. A falta
desse hormônio gera, entre outros, elevação no risco de doenças
cardiovasculares, impotência sexual e distúrbios cognitivos”, explica a
oncologista Mariane Fontes, do Grupo Oncoclínicas.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), por ser um tumor silencioso, a
grande maioria é apenas diagnosticada em fase avançada. O câncer de próstata
deve atingir 65.840 pessoas em 2021. Cerca de 75% dos casos atingem homens
com 65 anos ou mais e a doença mata mais de 15,5 mil brasileiros todos os
anos. E com o atraso ainda maior nos exames em 2020 e 2021, o cenário tende
a se agravar, com um aumento de casos em estágios mais avançados sendo
detectados a partir do próximo ano.
Entenda o Câncer de Próstata
No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o tumor de
próstata é o segundo mais comum entre homens – ficando atrás apenas do
câncer de pele não melanoma. No começo, pelo fato dos sintomas serem
silenciosos, o câncer de próstata é de difícil diagnóstico, já que a maioria dos
pacientes apresentam indícios apenas nas fases mais avançadas da doença.
Casos familiares de pai ou irmão com câncer de próstata, antes dos 60 anos de
idade, podem aumentar o risco em 3 a 10 vezes em relação à população em
geral.
“Quando aparentes, os sintomas detectados como dificuldade para urinar,
presença de sangue na urina, parada de funcionamento dos rins indicam a
presença de doença avançada, além de sintomas decorrentes da disseminação
para outros órgãos, tal como dor óssea nos casos de metástases ósseas”,
destaca Mariane Fontes.
Por apresentar sintomas mais evidentes quando a doença já apresenta
evolução, é recomendável que homens a partir de 50 anos (e 45 anos para
quem tem histórico da doença na família) façam anualmente o exame clínico
(toque retal) e a medição do antígeno prostático específico (PSA) – feita em
unidades de nanogramas por mililitro (ng/ml) por meio de um exame simples de
sangue – para rastrear possíveis alterações que indiquem aparecimento da
doença. Quando há suspeita da doença no organismo do homem, é indicada
uma biópsia através de ultrassonografia transretal para a confirmação do
diagnóstico.
Como o câncer de próstata é tratado
O tratamento depende do estágio e da agressividade em que a doença se
encontra. Eles devem ser projetados individualmente para cada paciente de
acordo com o seu quadro clínico pessoal. “No caso em que a doença se
encontra no estágio inicial e com características de baixa agressividade, o
acompanhamento vigilante com consultas e exames periódicos deve ser
discutido com o paciente, uma vez que é possível poupar os mesmos de
algumas toxicidades que o tratamento causa”, pontua Paulo Lages.
“Nos outros casos de doença localizada, a cirurgia, a radioterapia associadas ou
não a bloqueio hormonal e a braquiterapia (também conhecida como
radioterapia interna) pode ser realizada com boas taxas de resposta positiva”,
completa Mariane Fontes.
Quando os pacientes apresentam metástases, diversos tratamentos podem ser
realizados, como o bloqueio hormonal, a quimioterapia, novos medicamentos
que controlam os hormônios por via oral e também uma nova classe de
remédios que são conhecidas como radioisótopos, partículas que se ligam no
osso e emitem doses pequenas de radioterapia nestes locais.
Pesquisas mostram novas frentes de enfrentamento da doença
Entre as boas notícias para os pacientes, os especialistas apontam importantes
avanços no tratamento do câncer de próstata por meio de novas pesquisas e
tecnologias. Segundo Paulo Lages, a última edição do Encontro Anual da ASCO
(maior conferência sobre câncer do mundo) trouxe estudos mostrando novas
opções de tratamento para estes tipos de tumores, com destaque para o
levantamento chamado VISION. A análise apresenta uma opção de tratamento
até então indisponível para pacientes metastáticos que não respondem mais à
terapia hormonal e que já fizeram quimioterapia, através de uma estratégia
única.
“A maioria dos tumores de próstata produz PSA. Além do exame de sangue,
existe atualmente uma modalidade de imagem que se baseia em encontrar os
locais onde existe a produção desse antígeno, através de um exame chamado
PET-PSMA. O que essa estratégia apresentada no estudo trazido pela ASCO faz é
associar um radiofármaco (o Lutécio), que irá se ligar exatamente nesses lugares
que estão produzindo o PSMA (PSA de membrana), funcionando como uma
estratégia direcionada de tratamento para aqueles pacientes que são
candidatos. Já havia dados mostrando que essa estratégia é capaz de reduzir o
PSA, mas não sabíamos ainda se ela aumentava a sobrevida dos pacientes, e
isso foi evidenciado neste estudo”, finaliza o oncologista do Grupo Oncoclínicas.