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Opinião/ “Lavra” toca em feridas ecológicas

Cinco de novembro de 2015. Uma gigantesca barragem desabou, engolindo duas comunidades ribeirinhas na cidade de Mariana, Minas Gerais. O rastro de destruição deixou 19 mortos, devastando 650 km de biodiversidade do Rio Doce até o mar. Nascia a maior tragédia ambiental do Brasil.

 

Vinte e cinco de janeiro de 2019, crônica de uma tragédia anunciada: outra barragem se rompe em Brumadinho também no estado mineiro, matando 270 pessoas e rabiscando um cenário de caos e desolação que chocam o Brasil e o mundo.

 

O filme pode ser visto gratuitamente na plataforma InnSaei.TV.

 

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Programação – 54º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

 

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A edição 54 – 2021

 

“A pergunta inicial é? O que o morre quando matam alguém?”, é a frase perturbadora que abre o filme, “Lavra”, segundo longa-metragem da 54ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

 

“Quando o Rio Doce morreu, eu estava a oito mil quilômetros e 30 anos de distância. Aquela lama me atingiu em cheio. Voltei para ver aquilo de perto”, continua a personagem Camila Motta, que lhe reservou uma missão cara, traçar mapa do impacto da mineração na paisagem de Minas Gerais.

 

Trata-se de uma relação milenar e conturbada essa do homem com o meio ambiente, desde que a ganância e o poder dos grandes capitais veem dando as cartas no planeta. E no Brasil, mais danoso e criminoso do que nunca, com a intervenção agressiva das grandes mineradoras interferindo na paisagem nacional e no cotidiano das pessoas que a cercam.

 

 

 

Quando a equipe do filme começou a debruçar sobre os escombros de Mariana para a realização do projeto, ninguém poderia imaginar que outra catástrofe similar estava por vir perto dali pouco tempo depois. O que só aumenta o abismo social e moral de toda a situação.

 

“Quando vimos a tragédia de Mariana, tivemos a ideia de escrever um projeto sobre esse tema, ecoando questões como a forma que o extrativismo acontece no estado de Minas Gerais e como o poder público e as próprias leis permitem essa atividade danosa”, conta o diretor do filme, Lucas Bambozzi, pesquisador de novas mídias e com obras dos mais diversos formatos audiovisuais apresentados em mais de 40 países.

 

“A dificuldade de fiscalização a gente deixou de lado, buscamos abordar as questões que afetam o indivíduo que vivem nessas comunidades, rodeados por montanhas, por paisagens que marcam e afirmam o que é o ser mineiro, paisagens transformadas em crateras”, explica.

 

EXPERIMENTAL E OUSADO

Foto de André Hallak

Lavra

Foto de André Hallak

Foto de André Hallak

 

De narrativa experimental e estética ousada, elementos que costumam mexer com os participantes do tradicional Festival de Brasília, “Lavra” impacta pelas imagens chocantes do estrago do homem e suas máquinas criadas para destruir tudo ao redor, o que inclui seres humanos e a natureza.

 

O texto contundente, preciso e urgente da roteirista Chris Tamis, é norteado pelos passos da personagem Camila, que percorre essa rota de lama e destruição, gerando nas pessoas distúrbios emocionais conhecidos como “solastalgia’ e ‘topofilia’. Palavras, respectivamente, relacionados à angústia emocional sofrida pelas pessoas diante de mudanças ambientais e percepção social e afetiva delas diante da natureza.

 

“A mineração gera emprego e renda”, observa a personagem, enquanto um gigantesco trem serpenteia, sinuosamente, uma dessas pequenas cidades engolidas pelo quadrilátero ferrífero. “Mas o que eu via ao redor das ruínas, era que o minério, presente em tudo o que a gente consome, também consome a paisagem, as montanhas e as pessoas”, lamenta.

 

A personagem do filme é de ficção, mas a realidade que a cerca, ou seja, esse cenário de caos e desolação é pura verdade e a mais dura possível, conduzindo o espectador num híbrido de fantasia, registro documental, pitadas de “poesia e devaneio”, como enfatiza o cineasta.

 

Foto de André Hallak Bambozzi

“É um filme-ensaio no aspecto de como essa realidade afeta todas as pessoas que sofreram o impacto da mineração”, comenta Bambozzi. “É um híbrido não apenas na linguagem narrativa, tem elementos dialéticos, o final propõe uma discussão dialética, filosófica, existencial e conjuntural, ligada à questão da manutenção e futuro das formas de resistências e envolvimento com os movimentos sociais”, provoca.

 

Embora o roteiro de Chris Tassis beba na fonte de obras do cinema que discute a relação do homem com o ambiente em que convive e os conflitos gerados por eles – a exemplo, “Iracema, Uma Transa Amazônica” (1975) e “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” (2009) – “Lavra” não é um filme de protesto, garante Bambozzi. Mas com certeza, transpira denúncia. “A gente gostaria que gerasse indignação, um entendimento mais aprofundado das questões envolvendo a mineração e não há soluções simplistas para essa questão”, lamenta o diretor.

 

A descrição do cheio acre do metal pesado e plúmbeo no ar, sombras de nuvens passageiras bailando por montanhas a perder de vista e enormes crateras bíblicas a céu aberto, o passeio viscoso e lento da lama da destruição em meio a uma sinfonia de lágrimas e desespero diante da impunidade, poesias de protestos de Drummond, enfim, um sentimento de perda e impotência diante de uma realidade tão perto de muitos, mas distante de tudo.

 

Cabem muitas reflexões e sentimentos dentro dessa pérola de filme que, mais do que traçar o doloroso e triste mapa da mineração no Brasil, mapeia vidas que se foram, sonhos destruídos ou, parafraseando aqueles versos modernistas do Manuel Bandeira, “uma vida inteira que poderia ter sido, e que não foi”…

 

“Não é desastre, é crime, a palavra certa é essa, crime”, resume uma articulada moradora, às margens de um descaso chamado Brasil.

 

Assessoria de Comunicação da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Ascom/Secec)

E-mail: comunicacao@cultura.df.gov.br