Nascido e criado em Taguatinga, Bruno Nogueira serviu o exército americano por 10 anos e para superar as sequelas que ficaram da guerra, incluiu a modalidade do CrossFit em sua vida.
“O nosso caminhão de combate explodiu e foi tudo para o alto… e isso foi a última coisa que me lembro da missão.” 2009, de abril a agosto, na província chamada Ghazni. Além de armas pequenas e fuzis, o taguatinguense Bruno Nogueira é também especialista em morteiros e armas de longa distância, desde que entrou no Exército americano, em 2005. Aprendeu tudo no Exército do país mais militarizado do mundo. Hoje, guarda em gavetas da memória medalhas, experiências de alta adrenalina e até traumas de guerra “sempre serei grato por tudo que aprendi e por todas as oportunidades que tive nos Estados Unidos, achei que sabia mais ou menos como a guerra funcionava, mas aprendi muito além do que eu imaginava, só vivendo pra saber”.
Bruno nasceu em Taguatinga e a infância foi nas quadras da QND, em Taguatinga Norte. Próximo a esse bairro começou a vida acadêmica, na Escola Classe 18. Os pais se separaram quando Bruno tinha 4 anos. “Quando engravidei do Bruno já tinha intenção de me separar mas tive que prolongar o relacionamento fracassado” lembra a mãe dele, Dora. Ela foi para Itália a trabalho quando Bruno tinha 6 anos.
“Como não tive escolha, fui obrigado a morar com meu pai até minha mãe voltar ao Brasil”, conta o jovem com traumas já desde essa época. Com a voz tremida e um olhar distante, Dora recorda quando saiu do Brasil “como o pai não ajudava financeiramente, deu pensão só dois meses, eu não tive saída, não tinha profissão, aí decidi ir para a Itália. Essa época, as irmãs Débora e Bárbara contavam que ele chorava todas as noites na hora de dormir, o que consequentemente também me fazia chorar todos os dias a distância”. Quando Dora voltou, Bruno tinha 13 anos. Foram para Nova Iorque a convite de um amigo pastor que morava lá, dia 27 de fevereiro de 1999, uma data que sabe decorada, Bruno, Dora e a irmã. A irmã mais velha, Débora, tinha 18 anos na época, menor de idade nos Estados Unidos, foi como mãe. “A gente foi morar nos Estados Unidos e eu fiquei meio que irmã e mãe porque eu tinha que trabalhar pra ajudar minha mãe a colocar as coisas dentro de casa. A gente morava em um Basement em Connecticut, um apartamento que dividimos com mais cinco pessoas”, relata a irmã, que sonhava em morar somente com sua mãe e seu irmão.
Depois de dois anos, se mudaram para Connecticut, terceiro menor estado norte-americano e, para Bruno, com escolas mais qualificadas. Fez High School (ensino médio), que nos Estados Unidos os alunos passam por algumas avaliações. No caso de Bruno, o ensino de lá tinham notas mais altas do que o normal. “Porém o mais importante era a variedade de nacionalidades do meu High School. Minha mãe queria que eu ficasse em um lugar com todos os tipos de adolescentes” relembra. Foi aí que realmente aprendeu o inglês, dentre diversas culturas que também se apropriou. E foi nessa escola de ensino que conheceu seu colega de classe Fabiano Lomba, que era de Connecticut e que alguns anos depois se tornaram sócios. “O Bruno é um irmão pra mim, sempre disciplinado e me dava vários conselhos. Eu não gostava de perguntar o que ele fez, o que aconteceu, mas sempre tentei passar essa liberdade pra ele poder conversar comigo, que eu tava ali pra ele”, conta o amigo americano de infância.
Pensava em faculdade, mas juntando o dinheiro da mãe e o que ele tinha mensalmente com os trabalhos que fazia não dava para pagar a faculdade. Foi aí então que surgiu a ideia de seguir a carreira militar. Entrou para o Exército com 18 anos. Depois de 30 dias como militar, passou a ter dupla cidadania. “O Exército me proporcionou a faculdade pagando integralmente e ainda me dava um salário”, explica. Entrou em outubro de 2004 e em março de 2005 ficou sabendo da notícia que seu batalhão iria para o Afeganistão. Bruno foi destacado para missões de resgate.
Foi chamado para uma missão em um vilarejo no leste do Afeganistão. “Essa foi uma das minhas primeiras missões. Eu tinha uns três meses de pé no chão (o que chamamos quando chegamos na área de combate)”, localizado na província de Ghazni. “Saímos da nossa base por um chamado de resgate. Uma equipe estava fazendo um trabalho social em um vilarejo, quando foram atacados por forças externas, Taliban”, recorda. Ao chegar ao local, avistaram o ponto da troca de tiro e a posição do inimigo. “Assim que saímos da estrada para nos posicionar, atingimos um IED (improvised explosive device – explosivos improvisados)”.
Um silêncio consome Bruno
Bruno ficou 36 horas em coma quando foi atingido com um RPG (bazuca) e presenciou os passos da morte de um amigo, que perdeu a perna em estilhaços. Após a explosão, tudo foi jogado ao alto e Bruno se lembra de acordar quando já estava no avião indo para o hospital. Entrou em um mini-coma, estado de acordado, mas sem noção do que estava acontecendo. “Nada aconteceu comigo, mas fiquei três dias perdido, sem lembrança de nada. ” Para ele, foi a partir daí que começou a ter perda de memória recente. Foram 14 dias em observação. Bruno conta que fez questão e fez o pedido para voltar a base no Afeganistão. Fez os exames, passou e eles o retornaram.
A segunda vez que foi chamado para guerra, Bruno foi atingido por um míssil que derrubou o helicóptero norte-americano que ele estava, quando atuava no Afeganistão “os ligamentos do meu joelho esquerdo se romperam, deslocando meu tornozelo” mas ainda assim continuou a missão por quatro dias, na base de soro amarrado no capacete. Depois disso, foi obrigado a abandonar o exército. “Não havia mais nada que me prendia naquele lugar, finalmente de volta ao Brasil” conta o empresário com sorriso no rosto.
Serviu o Exército por 10 anos. No decorrer desses 10 anos, deu início a uma empresa de bancadas de cozinha, chamada Venezia Marble, juntamente com seu sócio e amigo americano Fabiano Lomba, está localizado em Connecticut, em uma cidade chamada Ridgefield. “Nossa empresa de granito só existe graças ao Bruno porque ele quem entrou com o capital e todo o design, por ter super bom gosto. Abrimos uma loja que faz importação do Brasil, da Itália, da Índia e ele trabalhando aqui acabou se apaixonando pelo Crossfit, que ajudou ele muito. Por isso eu acho que ele sempre teve esse sonho de montar uma companhia de crossfit, porque eu sabia que ele queria ajudar muitas pessoas. Descrevendo o Bruno em uma palavra, ele é um gênio”, detalha o sócio.
Processo de adaptação
Em 2012, Bruno se formou em Ciências da Saúde e começou a fazer outro curso em fisiologia do exercício. Em 2014, ele pegou a dispensa militar e voltou ao Brasil para viver mais próximo de sua família.
Após o choque que teve no Exército, Bruno voltou ao Brasil sofrendo com pesadelos e ansiedade. Passou a aderir a paixão pelo esporte que o ajudou muito nesse processo de reabilitação, o crossfit, um treino de intensidade alta unido a movimentos funcionais “o esporte me ajudou muito, além de fortalecer meus músculos e me ajudar a voltar a andar, hoje vejo o quanto me ajudou a me adaptar viver fora da guerra, com pessoas normais”.
A modalidade que exige força e resistência, chamou tanto a atenção de Bruno que hoje ele tem um box de Crossfit no clube da AABB, chamado EIXO “ Uma coisa que me deixa muito satisfeito é poder apresentar o CrossFit para minha família e para atletas de todo o Brasil”. Não é apenas uma academia normal de crossfit, mas um estilo de vida que Bruno mostra e incentiva os seus alunos a levar. Com o intuito de ajudar as pessoas, Bruno começou já envolvendo seus irmãos, que também são adeptos ao Crossfit, como Breno Nogueira, Bárbara Nogueira e Gabriela Nogueira.
Família
Bruno Nogueira tem 4 irmãos do mesmo pai e sempre tentou manter a união entre eles.
“Todo mundo tinha muita saudade dele, na época o Bruno e a Débora mandava vídeos e mandavam pra gente as fitas e a família se reunia para assistir no video cassete, tipo como era o dia a dia deles, festa de formatura. Era uma forma de matarmos a saudade, e quando o Bruno vinha ao Brasil, era sempre uma festa” conta Gabriela, a irmã mais nova que sempre viu Bruno como inspiração de vida a seguir. Gabriela sofria muito com a falta de Bruno porque ele passava pouco tempo no Brasil quando vinha visitar os parentes e chegou a morar por dois anos com Bruno nos Estados Unidos. “Só consegui conviver com o Bruno quando fui morar com ele, mas sempre tivemos uma relação muito forte, só faltou ele no meu cotidiano” com um sorriso no rosto, se abre a caçula.
“Quando o Bruno nasceu, eu tinha 10 anos então ajudei bastante minha mãe a cuidar dele. Mas o que mais marcou, foi quando ele voltou da primeira guerra. Eu morava nos Estados Unidos e ele tinha umas crises de pesadelo e eu vi o tanto que a guerra abalou o emocional dele”, detalha a irmã mais velha que Bruno, que também não teve muito contato com Bruno na adolescência, pois era casada aqui no Brasil e foi morar com Bruno no estado americano apenas quando Bruno já havia voltado da guerra.
“O fato mais marcante foi quando o Bruno me chamou no Skype e ele estava em uma das bases, os amigos dele zoavam ele por está falando comigo mas pra mim foi inesquecível por ter mais de ano que não falava com ele”, explica Breno, que sentia muita falta do irmão por ser uma figura masculina que ele queria ter por perto.
“Fui a segunda mãe dele, na verdade fui mais mãe que irmã. Minha mãe havia se separado do meu pai quando o Bruno era pequenininho e eu quem cuidava dele para minha mãe ir trabalhar e poder passear um pouquinho também. Então, na infância e na adolescência, fui mãe e nas horas vagas, a irmã mais velha” conta Débora, com orgulho de poder presenciar e ter feito parte de grande parte da vida do irmão.
“Passei um tempo sem conseguir abrir a porta da frente da minha própria casa, entrava pela janela investigando os cômodos pra saber se eu estava seguro. Os pesadelos, o medo de estar na rua , a falta de sono, a ansiedade de estar em um lugar aberto com muita gente, os diversos cálculos em ambientes públicos de saídas de emergência… Hoje me sinto seguro. Por ter minha família por perto. Hoje, só quero me lembrar do que ainda vou viver, a nova fase da minha vida com minha mulher, Laíssa, e meu filho Theo, que nasceu hoje” se emociona Bruno.
Aos 32 anos, Bruno mantém um largo sorriso no rosto, mas com algumas horas de conversa torna-se perceptível as cicatrizes emocionais, de quem conviveu com o medo por anos, sempre na defensiva. Os coletes a prova de bala, não foram o bastante pra o proteger do trauma que ali ficou. Os 10 anos de acompanhamento psicológico têm amenizado os “sintomas” da guerra, mas Bruno garante que “é impossível esquecer o que vivi ali”.
Por Mariane Rodrigues