“É um apoio que vem para ajudar a família. Não é fácil você ter que formar uma criança que acabou de perder um parente querido de forma trágica. É preciso suporte para que ela não cresça perturbada”. É assim que José*, pai dos adolescentes Maria*, 15 anos, e João*, 12, resume a importância do Programa Acolher Eles e Elas, ofertado pelo Governo do Distrito Federal (GDF) a órfãos de vítimas de feminicídio.
Com a ajuda do programa, José tem trabalhado para proporcionar uma vida menos dolorosa para os filhos. Este é o quarto mês que a política pública chega para a família e cada um dos jovens recebe, por mês, um auxílio no valor de um salário mínimo (R$ 1.412) e tem, uma vez por semana, uma sessão de acompanhamento psicossocial. Segundo ele, os apoios financeiro e mental têm feito a diferença.
“A princípio eu não queria que as crianças recebessem o benefício, porque não queria mexer nessa ferida. Mas, vi que era importante e foi a melhor coisa que eu fiz”, afirma José.
Foi a bolsa que realinhou as finanças da família. Após a morte da mãe dos meninos – assassinada pelo companheiro da época há dois anos –, José, que já criava as crianças após o divórcio, se viu em uma situação nunca imaginada: acumulando gastos com psicólogo, psiquiatra e terapeuta para dar o suporte necessário diante da situação vivenciada pelos filhos. “Quando a mãe deles morreu, a mais velha precisou de tratamento. Cheguei a gastar R$ 2,5 mil só para que ela tivesse um laudo psiquiátrico e gastava mais R$ 500 com apenas uma medicação. Então, esse benefício foi muito bom, porque consegui sair do sufoco e agora tenho como pagar as coisas para eles”, diz.
O recurso depositado mensalmente no cartão do Programa Acolher Eles e Elas é utilizado para bancar despesas médicas, proporcionar momentos de lazer e investir no futuro, criando um novo roteiro para vidas que, tão cedo, tiveram o percurso alterado de forma trágica. “É um dinheiro para investir neles. É importante formar uma criança que no futuro não seja uma próxima vítima ou até uma próxima pessoa a cometer um crime. Porque não podemos eliminar isso, porque é uma criança traumatizada. Então quando ela tem apoio e amparo, ela muda sua perspectiva”, avalia José.
Até junho deste ano, o Programa Acolher Eles e Elas já tinha cadastrado e beneficiado 130 filhos de vítimas de feminicídio, quando foram destinados R$ 808.524 em auxílios financeiros. Só em julho, o montante pago pelo Executivo local foi de R$ 183,5 mil
O pai conta que o próprio GDF, por meio da Secretaria da Mulher (SMDF), entrou em contato para oferecer o benefício. Na época, ele até duvidou do programa, mas hoje, com os filhos estabilizados financeiramente e com suporte psicológico, entendeu a importância do projeto. “Óbvio que, para mim, a prevenção do feminicídio é mais importante que o benefício. Ninguém quer isso, mas infelizmente acontece e as famílias precisam de amparo, porque ninguém está preparado para viver isso. Não dá para fugir dos problemas, então é importante este governo ter arrumado essa solução e a gente precisa abraçar a ajuda quando ela vem”, comenta.
Benefício em números
Até junho deste ano, o Programa Acolher Eles e Elas já tinha cadastrado e beneficiado 130 filhos de vítimas de feminicídio, quando foram destinados R$ 808.524 em auxílios financeiros. Só em julho, o montante pago pelo Executivo local foi de R$ 183,5 mil.
“[Com esse benefício] Buscamos garantir que essas crianças e adolescentes tenham acesso às necessidades básicas e a uma vida mais digna. Esse apoio financeiro é um passo crucial para assegurar que eles possam continuar seus estudos e receber o acompanhamento psicológico necessário”, destaca a secretária da Mulher, Giselle Ferreira.
Segundo o Estudo dos Feminicídios Consumados no Distrito Federal, desenvolvido pela Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF) da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), a capital federal tem 392 órfãos de vítimas de feminicídios ocorridos entre março de 2015 e junho de 2024. Deste valor, 255 são menores de idade e 137 maiores.
O objetivo do governo é ampliar o acesso ao programa para atingir a marca de 250 crianças e adolescentes amparadas em 2025. “Reafirmamos nosso compromisso com a proteção e o cuidado desses jovens, reconhecendo a importância de medidas que proporcionem estabilidade e esperança em meio à tragédia”, complementa a titular da pasta.
Acompanhamento diferenciado
As meninas Fátima*, 16 anos, e Sara*, 13, são acolhidas pelo programa do GDF há cinco. Elas perderam a mãe há cinco meses, quando ela foi assassinada por um ex-namorado da época. A morte da matriarca foi um baque para as jovens, que passaram a morar com o pai depois de cinco anos da separação dele com a mãe delas.
“Foi um processo muito difícil para as duas e ainda é. Elas choram e ainda têm esse trauma”, lembra o pai Antônio*. Exatamente por isso ele destaca o papel do auxílio. “As meninas fazem o acompanhamento psicológico pelo programa Direito Delas, da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), que é um tratamento diferenciado e direcionado para o que elas passaram. Elas desabafam muito e sempre saem melhores das sessões”, comenta. “O dinheiro também está sendo superimportante para gente, porque pagamos o plano de saúde delas, os exames, os cursos que elas querem fazer e as coisinhas delas”, completa o patriarca.
Antônio acredita que o programa é uma “ajuda muito bem-vinda”. “Essa é uma coisa que não tem reparo. Não tem um dinheiro que supra a perda que elas tiveram, mas pelo menos está ajudando para que elas tenham uma vida mais saudável e tranquila”, analisa.
Programa
Regulamentado pela Lei nº 7.314/2023, e, posteriormente, pelo Decreto nº 45.256/2023, o programa Acolher Eles e Elas nasceu durante a força-tarefa do GDF de combate ao feminicídio. O benefício é voltado para os órfãos em decorrência de feminicídio residentes do DF por no mínimo dois anos, menores de 18 anos ou até os 21 anos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Para acessar o auxílio, é necessário apresentar uma documentação específica, incluindo boletim de ocorrência, comprovante de residência, uma declaração atestando o vínculo com o órfão, documentos pessoais do órfão e do responsável, além de uma declaração de vulnerabilidade. As famílias podem entrar em contato pelos telefones (61) 3330-3118 e (61) 3330-3105.
*Todos os beneficiários do programa e seus respectivos parentes são tratados com nomes fictícios na matéria para preservar a identidade dos jovens, seguindo um pedido das famílias e em cumprimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Por Adriana Izel, da Agência Brasília | Edição: Ígor Silveira