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Recomeço: eles deixaram para trás o cárcere, abraçaram os livros e se tornaram empresários

“Nada dura para sempre”, de Sidney Sheldon, e “Somos todos inocentes”, de Zíbia Gasparetto, são obras de gêneros diferentes e ocupam mais do que um simples lugar na prateleira para duas pessoas que reescreveram suas trajetórias.  São obras lidas em um período em que estavam presos. Eles garantem que tudo mudou quando tiveram contato com a literatura. Joymir Guimarães, de 36 anos, fã de Sheldon, e Rodrigo Ramos, de 35 anos, leitor da obra espírita, são hoje empreendedores. O passado em prisões deixaram de ser um trauma para se transformar em aprendizado.

Joymir refez a vida e trabalha com mecânica. Arquivo pessoal.

No caso de Joymir de Azevedo Guimarães, 36 anos, ele passou cinco anos preso na Penitenciária da Papuda (PDF-1), em Brasília.  Ele entende que a ressocialização começou, primeiramente, no íntimo da própria consciência.  Foi quando ele entendeu que precisava amadurecer e mudar de vida “Na primeira etapa da reprimenda, eu comecei a refletir sobre tudo e sobre todos, comecei a colocar na balança da vida todas as  minhas escolhas e atitudes. Então foi aí que eu percebi o quanto eu estava na contramão da vida, quanto tempo perdido, e o mais triste: Com que finalidade? O que eu ganhei com isso?, Não posso dizer que houve uma política pública que me fez mudar o meu caminho”.

Ele explica que o preconceito existia, mas a consciência o faz entender que o fato só acontecia pelas consequências dos seus atos. “Isso foi consequência de minhas escolhas, afinal de contas eu não dei nenhum motivo pra ninguém confiar em mim, nem mesmo minha família. Anos a fio no mundo do crime e um currículo bem negativo, claro que as pessoas iriam ter preconceito”, afirmou. Joymir foi condenado por tráfico, fabricação e receptação de drogas.

Joymir diz que a inspiração para querer mudar foi a família “Minha mãe teve sua primeira formação com 53 anos de idade.Hoje é pós–graduada e professora universitária na área de serviço social. Foi um exemplo pra que eu tirasse da minha cabeça que eu não tinha mais tempo pra estudar. Se estou onde estou,, foi por ajuda e confiança que conquistei durante anos de luta que não foram nada fáceis’’.

Após cinco anos em regime fechado e  semiaberto, ele conta que em 2016 recebeu o perdão de pena e anistia pela então presidente Dilma Rousseff. Hoje, estudante universitário do curso de gestão pública e dono de uma oficina mecânica, ele garante que está feliz com a nova vida. “Eu me sinto mais que livre. Muito satisfeito com a vida, mesmo com os altos e baixos estou satisfeito por trilhar o caminho certo. Hoje sou cristão, e pra mim Deus completou um espaço que estava vazio, mas quando  tive um encontro com Deus isso me fez livre de verdade”, acrescentou.

Com a ajuda de um antigo “comparsa de crime”, criou projetos socioeducativos que incentivam pessoas que passaram pela mesma situação a saírem do crime. “Somos palestrantes da secretaria da criança e atuamos com políticas públicas dentro do sistema socioeducativo. Temos ainda um clube do livro formado por ex-detentos e egressos do sistema socioeducativo”.

O empresário explica que a ressocialização não é uma fase fácil, mas aos poucos ele vem conquistando a confiança e o espaço na sociedade. “Foi e está sendo difícil conviver com as consequências de minha escolha, mas nada vai me fazer deixar de seguir em frente”.

“Eu quis mudar de vida”

Coragem para  mudar a realidade motivou o empreendedor Rodrigo dos Santos Ramos, 35 anos,  que hoje trabalha com reciclagem o Sabiah, como é conhecido.

Rodrigo, que trabalha na Associação de Proteção e Apoio ao Condenado (APAC), afirma que leva o cárcere como aprendizado de coisas que não quer repetir. “As pessoas não acreditam na mudança. O preconceito é muito grande por conta do histórico de crime. Eu quis mudar de vida, porque não era aquilo que eu queria para minha família”, contou. Ele ficou preso entre 2006 a 2011 na Penitenciária Estadual de Jacuí (MG).

A mudança na vida de Rodrigo aconteceu quando ele leu o primeiro livro da vida, enquanto estava em regime fechado. Ele conta que o livro abriu a mente dele e ele resolveu buscar uma nova realidade. “No começo, foi bem difícil, eu queria mudar, mas eu estava lá dentro. Eu tinha vontade, mas não conseguia”, ressaltou.

Sabiah encontrou o irmão na prisão e eles decidiram juntos buscar oportunidades de emprego, quando fossem para regime semiaberto. Eles conseguiram trabalhar como recicladores, juntaram dinheiro e abriram a própria empresa de reciclagem, em Porto Alegre (RS). A empresa tem o intuito de mudar a vida de outras pessoas que passam por essa realidade. Os irmãos tentam contratar pessoas que também foram presas e buscam a ressocialização. “Eu tive muito preconceito, no começo, com a reciclagem, mas depois que eu tive a experiência, a enxerguei como uma oportunidade de mudança”, explicou.

Reinserção Social

O professor de Serviço Social Mário Ângelo Silva explica que a reinserção social de um detento deve começar dentro das unidades prisionais. “ É dentro desse ambiente que o detento pode encontrar a disponibilidade de oportunidades de acesso ao trabalho, à educação, à assistência jurídica e social, à saúde e vida religiosa. Essas medidas estão na Lei de Execução Penal, mas nem sempre são aplicadas e respeitadas”.

O especialista explica ainda que o estigma e preconceito contra as pessoas presas e egressas do sistema penitenciário contribuem para que estes não consigam emprego e voltem a cometer crimes. “Por essa razão é importante que as penitenciárias criem iniciativas e continuem investindo em algumas bem sucedidas como estratégia a redução da pena pelo trabalho e estudo dentro e fora da unidade; e mais recentemente a inclusão da leitura de livros para remissão da pena. É importante que as prisões não sejam somente escolas do crime”. Segundo os dados da pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) junto com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não é comum sair da vida do crime, após se inserir nela. Segundo a apuração do Ipea, há reincidência de 1 a cada 4 detentos.

Por Julia Fagundes, Isabela Péres e Maria Júlia Spada

Fotos: Arquivo pessoal

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira